O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Meu reino por um cavalo

Caro internauta, como estas são crônicas escritas há tempos numa coluna semanal do jornal A UNIÃO, de João Pessoa, e reunidas num livro inédito sobre futebol que só agora dou a conhecer parcialmente neste blog, o texto abaixo foi escrito por ocasião das Olimpíadas de Sydney, Astrália, mas observem como está atualíssimo graças ao descaso oficial com as políticas públicas para o esporte no Brasil. Boa leitura!


Meus caros leitores, concluo aqui a série de três crônicas sobre as Olimpíadas de Sydney, encerradas domingo passado. É um arremate necessário, vez que não poderá faltar ao conjunto o balanço geral desses jogos monumentais da humanidade, mas que, para nós brasileiros, não foram tão monumentais assim. E o faço aqui mais como o dever de casa do cronista do que como o exercício prazeroso de um escritor autêntico. Para tanto, enfastiado que fiquei pela “decepção do ouro” – aliás, como todo brasileiro que se preze -, resolvi ceder aqui a pena a outrem, num exercício, digamos, de literatura comparada. Assim foi que, reunindo numa leitura só as impressões de uma reportagem interpretativa (dos repórteres Marco Rocha e Marcelo Sakate) e um conto-fábula (a mim enviado pelo colega William Costa), acredito ter chegado a melhor síntese do que foram para nós brasileiros as Olimpíadas de Sydney. Eis aí os dois textos que, adaptados e superpostos (um realística e outro ironicamente), resumem a nossa participação nos jogos:
“Era uma vez uma Olimpíada em que o Brasil mudaria de classe social no mundo esportivo. Não rivalizaria com EUA, China e Rússia, mas surgiria como uma força emergente, seguindo os recentes exemplos de Espanha e Coréia do Sul, e abriria as portas para um dia desbancar Cuba do posto de segunda potência esportiva das Américas.
Motivado pelas 15 medalhas (três de ouro) das Olimpíadas de Atlanta-96, pelas cem (25 ouros) do Pan de Winnipeg, em 99, e pelo discurso triunfante do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, o Brasil investiu como nunca numa Olimpíada e fez milhões de torcedores ficarem acordados durante a madrugada de mais de duas semanas. Contadas as favas, o resultado final – seis medalhas de prata e seis de bronze – não é ruim, mas decepcionante.
Afinal, não só as marcas de Atlanta continuaram de pé como a busca do ouro, que era para ser alegre, tornou-se uma obsessão inalcançável. Nunca o Brasil foi tão prata. Nunca ganhou tantas medalhas sem nenhum louro, ou melhor: ouro.
E o Brasil, como faz a cada quatro anos, volta a se perguntar: como o país pode dar um salto em seu desempenho esportivo?
Para José Carlos Brunoro, executivo ligado à área de administração esportiva e diretor de esportes da Parmalat de 92 a 97, o imediatismo é o maior inimigo do Brasil na tentativa de se transformar em potência olímpica.
– Não temos programa olímpico, um planejamento de longo prazo. As confederações e os atletas deveriam estar mais integrados – diz Brunoro, reclamando dos investimentos feitos pelo COB para os Jogos de Sydney.
– É preciso mais dinheiro e acompanhar as aplicações das verbas. Os recursos são pequenos.
A economista Elena Landau afirma que o sucesso brasileiro em Winnipeg mascarou os problemas do esporte nacional.
– Depois do Pan-Americano, ninguém se deu ao trabalho de analisar o que aconteceu no Canadá, de pensar que os adversários em Sydney seriam muito mais fortes – analisa.
E o desempenho brasileiro em Sydney mostrou que os quatro anos da euforia provocada depois de Atlanta não passaram de ilusão, da vontade de ver o Brasil entre as potências já em 2000.
– Nada de estrutural foi feito de Atlanta para cá – diz o consultor Bebeto de Freitas, ex-gerente de esportes da Olympikus e ex-supervisor do Atlético Mineiro.
Na verdade, o montante recebido pelo COB para as Olimpíadas deste ano foi muito maior do que o recebido para Atlanta. Segundo a prestação de contas do COB, os investidores deram, durante a preparação para Atlanta, R$ 6,422 milhões. Agora, para Sydney, a quantia foi de R$ 23.607.816,00.
Mas dinheiro não compra lugares no pódio e essa deve ter sido uma lição aprendida pelos dirigentes brasileiros na Austrália. Além de acusar o COB de omissão e de gastar as verbas de forma errada, Elena Landau critica o Vasco por se aproveitar de atletas para divulgar a marca do clube. Há quem diga até que o excesso de medalhas de pratas e a escassez do ouro deveu-se justamente ao Vasco, clube acostumado a ser vice em tudo.
– O que é melhor, gastar uma fortuna em festas de marketing como o COB fez ou defender os direitos de uma atleta? O que aconteceu com Daniele Hypólito foi imperdoável. Ela foi prejudicada pelo erro na regulagem do cavalo sem que ninguém a defendesse – ressalta, criticando a filosofia empregada pelo Vasco.
– O que houve com o Brasil foi bom porque serviu para desmascarar uma política que não forma atletas, mas se aproveita deles.
Segundo Bebeto de Freitas, o que falta ao Brasil é uma política de massificação. Para ele, enquanto isso não acontecer, o sonho olímpico nunca se realizará:
– Para Atenas, as autoridades podem intensificar a elitização, ou seja, trabalhar os atletas que já estão bem. É possível que os resultados melhorem, mas logo depois vem o passo para trás porque essa política não é consistente. O esporte no Brasil é elitista e estatal. Não temos 50 jogadores de vôlei de alto nível, muito pouco para um país deste tamanho.
O professor Manoel Tubino, que uma semana antes do início dos Jogos de Sydney participou do Congresso Olímpico, em Brisbane, concorda com Bebeto de Freitas, mas defende também o uso da psicologia aplicada:
– Mas não é isso o que fizeram, de mandar que os atletas andassem sobre brasas. É preciso trabalhar a motivação, controlar a ansiedade.
Os erros apontados são muitos, mas, depois do rendimento abaixo do esperado, Elena Landau isenta os atletas brasileiros:
–É preciso exaltar o que esses abnegados fizeram. As conquistas foram puro esforço pessoal.
***
“O rei Ricardo III estava se preparando para a maior batalha de sua vida. Um exército liderado por Henrique, Conde de Richmond, marchava contra o seu. A disputa determinaria o novo monarca da Inglaterra.
Na manhã da batalha, Ricardo mandou um cavalariço para verificar se seu cavalo preferido estava pronto.
– Ferrem-no logo – disse ao ferreiro. – O rei quer seguir em sua montaria à frente dos soldados.
– Terás que esperar – respondeu o ferreiro. – Há dias que estou ferrando todos os cavalos do exército real e agora preciso ir buscar mais ferraduras.
– Não posso esperar – gritou o cavalariço, impacientando-se. – Os inimigos do rei estão avançando neste exato momento e precisamos ir ao seu encontro no campo. Faze o que puderes agora com o material que dispões.
O ferreiro, então, voltou todos os seus esforços para aquela empreitada. A partir de uma barra de ferro, providenciou quatro ferraduras. Malhou-as o quanto pôde até dar-lhes formas adequadas. Começou a pregá-las nas patas do cavalo. Mas depois de colocar as três primeiras, descobriu que faltavam-lhe pregos para a quarta.
– Preciso de mais um ou dois pregos – disse ele, - e vai levar tempo para confeccioná- los no malho.
– Eu disse que não posso esperar – falou, impacientemente, o cavalariço. – Já se ouvem as trombetas. Não podes usar o material que tens?
– Posso colocar a ferradura, mas não ficará tão firme quanto as outras.
– Ele cairá? – perguntou o cavalariço.
– Provavelmente não – retrucou o ferreiro, - mas não posso garantir.
– Bem, usa os pregos que tens – gritou o cavalariço. – E anda logo, senão o rei Ricardo se zangará com nós dois.
Os exércitos se confrontaram e Ricardo participava ativamente, no coração da batalha. Tocava a montaria, cruzando o campo de um lado para outro, instigando os homens e combatendo os inimigos. “Avante! Avante!”, bradava ele, incitando os soldados contra as linhas de Henrique.
Lá longe, na retaguarda do campo, avistou alguns de seus homens batendo em retirada. Se os outros os vissem, também iriam fugir da batalha. Então, Ricardo meteu as esporas na montaria e partiu a galope na direção da linha desfeita, conclamando os soldados de volta à luta.
Mal cobria metade da distância quando o cavalo perdeu uma das ferraduras. O animal perdeu o equilíbrio e caiu, e Ricardo foi jogado ao chão.
Antes que o rei pudesse agarrar de novo as rédeas, o cavalo assustado levantou-se e saiu em disparada. Ricardo olhou em torno de si. Viu seus homens dando meia volta e fugindo, e os soldados de Henrique fechando o cerco ao redor. Brandiu a espada no ar e gritou:
– Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!
Mas não havia nenhum por perto. Seu exército estava destroçado e os soldados ocupavam-se em salvar a própria pele. Logo depois, as tropas de Henrique dominavam Ricardo, encerrando a batalha.
E desde então, as pessoas dizem:

Por falta de um prego, perdeu-se uma ferradura,
Por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo,
Por falta de um cavalo, perdeu-se uma batalha,
Por falta de uma batalha, perdeu-se um reino,
E tudo isso por falta de um prego na ferradura!

(De O livro das virtudes, de William J. Bennett, no capítulo “Responsabilidade”)
Foto de Antônio Gaudério

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