O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Defesa maluca

Prestem atenção nesta defesa do goleiro da Seleção da Colômbia, Higuita, em jogo contra a Inglaterra. O futebol é ou não é um jogo surpreendente? Vejam isso!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

As ondas do rádio

Quem acompanha futebol dentro ou fora dos estádios sabe da importância do rádio para o esporte. E também da beleza das narrações das partidas feitas pelos locutores esportivos com sua semântica imaginosa... A propósito, ouçam esta narração da passagem de um ser vivente desta para melhor, no estilo das narrações esportivas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Um jogo muito bem pensado

Na história do pensamento humano, a bola, o círculo, a forma geométrica do universo, sempre estiveram presentes como uma questão. Da Physis aristotélica à concepção do tempo cíclico de Nietzsche (meu filósofo preferido), passando pela noção da linguagem como jogo em Wittgenstein, a bola sempre esteve ali, pra ser chutada. Até que alguém teve uma grande idéia! O futebol, enfim, entrava definitivamente para a filosofia. Olha isso!!!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

1,2,3,4,5,6,7,8,9 10: Que vergooooonha!!!


Amigos, tomado do mais puro sentimento de vergonha, envolvido pela mais tétrica sensação de revolta interior, é que lhes ofereço, mais uma vez, as sábias palavras de Nelson Rodrigues à desculpa de mote de reflexão para o que se vai tratar mais à frente a respeito de um outro Botafogo, O Botafogo da Paraíba.
“Ponha uma barba postiça num torcedor do Botafogo, e dêem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por que?
Pelo seguinte: – há no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal. Pergunto eu: – por que vamos ao campo de futebol? Porque esperamos a vitória. Esse otimismo é o impulso interior que nos leva a comprar ingresso e vibrar os noventa minutos. E, no campo, o otimismo continua a crepitar furiosamente. Não importa que o nosso time esteja perdendo de 15 a 0. Até o penúltimo segundo, nós ainda esperamos a virada, ainda esperamos a reação. Pois bem: – o torcedor do Botafogo é o único que, em vez de esperar a vitória, espera decisivamente a derrota”.
Fique claro ao torcedor que o trecho acima de uma crônica de Nelson Rodrigues sobre as características peculiares da torcida do Botafogo do Rio – e até do próprio time – trata exclusivamente de uma realidade distante da realidade vivida pelos paraibanos que torcem pelo outro Botafogo, o da Paraíba. Entretanto, acreditem, essa realidade não está tão distante assim. Daí o ensejo de trazê-lo aqui para a nossa conversa de hoje.
É que o Botafogo da Paraíba quando foi fundado, no dia 28 de setembro de 1931, por uma turma de amantes do futebol que incluía, entre outros, nomes como o de Beraldo de Oliveira, teve como inspiração originária a então monumental equipe do Botafogo de Futebol e Regatas do Rio de Janeiro. Foi no futebol genial daquela equipe carioca de antanho que se inspiraram os fundadores do nosso Botafogo a ponto de tomar-lhe de empréstimo o próprio nome, à guisa de homenagem e de imitação.
Pois bem! Diz-se que o nome modifica a coisa nomeada. Dito de outra maneira: o nome como que conforma à sua origem histórica e significação etmológica aquilo que designa. Daí que foi a propósito que grifei a frase final do trecho da crônica acima escrito para unicamente sublinhar a aplicação de sua verdade a nossa realidade próxima, pois o torcedor do Botafogo da Paraíba é hoje, sem tirar nem por, o único que, em vez de esperar a vitória, espera decisivamente a derrota. Mais uma vez, as histórias dos dois clubes (os Botafogos do Rio e da Paraíba) se entrelaçam de maneira irônica e, pior, profundamente trágica.
Desçamos, portanto, à crônica de uma tragédia anunciada. Quando o Botafogo da Paraíba iniciou a sua temporada deste ano com a perspectiva de disputar o Campeonato do Nordeste, o campeonato paraibano, a Copa do Brasil e, provavelmente, a terceira divisão do Campeonato Brasileiro de 2001, apontamos, aqui mesmo nesta coluna, os erros estratégicos cometidos pela diretoria do clube em relação ao projeto que estava se propondo por em prática. Um destes erros, aliás, o mais grave deles, era reincidente: o fato de a diretoria ter desmanchado pela segunda vez um time inteiro e contratado outro na semana da estréia da competição regional. Ora, sem uma base precedente que desse ao técnico da equipe uma segurança tática mínima para montar o time, era absolutamente previsível que a equipe patinasse ante os adversários melhor estruturados e de maior tradição no Nordeste. Bastou assistirmos à primeira partida do Botafogo e vaticinamos de pronto: “da forma como está sendo gerida a equipe, este time não vai a lugar nenhum”.
A estes erros iniciais básicos foram se seguindo outros não menos relevantes: a contratação em massa de jogadores de qualidade duvidosa do eixo São Paulo-Sul, que não conheciam nada da realidade futebolística do Nordeste, a troca permanente de treinadores (até o momento já foram três os técnicos dispensados) e a correspondente dispensa dos jogadores que, por deficiência técnica ou por indisciplina, não estava dando conta do recado (até o momento foram 26 os jogadores dispensados pela diretoria do Clube). Haja acúmulo de erros!
O resultado previsível, anote-se, desta tragédia está sendo colhido por meio de números frios e insultantemente negativos: o time é o último colocado do Campeonato do Nordeste, está fora da Copa do Brasil e, a exceção de duas parcas vitórias no campeonato paraibano, das treze partidas que disputou nos certames regional e nacional, empatou quatro e o resto perdeu todas. A última (o universo inteiro tomou conhecimento) pelo humilhante placar de 10 a 0 para o São Paulo Futebol Clube, na quarta-feira passada.. A maior vitória em termos de gols na história do São Paulo e, consequentemente, a pior derrota numérica em toda a história do Botafogo.
O jogo em si foi em tudo uma representação bizarra, dentro do campo, daquilo que está se passando fora dele, nos bastidores da atual administração do clube. Um time totalmente desencontrado, perdido, sem liderança técnica ou tática, enfim, sem planejamento algum para vencer. A defesa não defende, o meio de campo não arma nem desarma e o ataque, isolado, não ofende a uma mosca. Assim é a diretoria do Botafogo: faz uma coisa e depois desfaz, trata as ações administrativas de forma temperamental e não racionalmente, e, como se a Administração não fosse uma ciência com razoável grau de controle de suas variáveis, debita ao azar as conseqüências de seus erros. Este cenário, assim, só comporta três explicações: má fé, incompetência ou ingenuidade.
Seja uma, duas ou três as explicações plausíveis, futebol é coisa séria. O futebol é um esporte que, para o brasileiro, vai muito mais além de perder ou ganhar. Tem a ver com as paixões humanas e dentro delas, com as suas contingências. Tem a ver com identidade cultural (lembrem-se do solitário torcedor que estava no Morumbi com a camisa do Botafogo da sua Paraíba), tem a ver com a superação simbólica dos nossos limites, e, principalmente, como uma atividade essencialmente humana que é, tem a ver com dignidade.
E dignidade falta a quem vai a um estádio de futebol sabendo de antemão que é a derrota e não a vitória o que se busca. Dignidade falta a uma equipe que ao invés de se espelhar no que há de melhor na história do seu confrade homônimo, imita o que há de pior. Fosse eu da atual diretoria do Botafogo, baixava a cabeça com o que resta de dignidade, pedia o boné e fazia como aquele personagem do romance Cem anos de Solidão, do autor da Crônica de uma morte anunciada, Gabriel Garcia Marques:
“O Coronel Aureliano Buendía promoveu trinta e duas revoluções armadas e perdeu todas. Teve dezessete filhos varões de dezessete mulheres diferentes, que foram exterminados um por um numa só noite, antes que o mais velho completasse trinta e cinco anos. Escapou de catorze atentados, setenta e três emboscadas e um pelotão de fuzilamento. Sobreviveu a uma dose de estricnina no café que daria para matar um cavalo. Chegou a ser comandante geral das forças revolucionárias, com jurisdição e mando de uma fronteira a outra, e o homem mais temido pelo governo, mas nunca permitiu que lhe tirassem uma fotografia”.
Detalhe: o coronel Aureliano Buendía nunca permitiu que lhe tirassem uma fotografia justamente por pura dignidade.
Publicado no Jornal A UNIÃO - João Pessoa-PB - 01 de abril de 2001.
HISTÓRIA:
Jogo ocorrido no Estádio do Morumbi, em São Paulo, em 28/03/2001, válido pela Copa do Brasil.
SÃO PAULO: Róger; Reginaldo Araújo, Rogério Pinheiro (Daniel), Jean e Gustavo Nery: Carlos Miguel, (Alexandre), Fábio Simplício, Káka e Júlio Batista; França e Luis Fabiano.
Gols: França (3); Julio batista (2); Luis Fabiano (2) Gustavo Nery, Kaká e Fábio Simplício (um cada).
BOTAFOGO-PB: Davi; Chininha, Noquinha, Freitas e Enoque; Léo Oliveira, Russo, Marcos Telles e Messias (Dener); Jurandi e Chapecó.
Foto de Walter Firmo

A pelada que nos salva


Existe uma espécie de consenso entre quase todos os amantes do futebol: a certeza de que muito melhor do que assistir a jogos de futebol, ver futebol, ir ao estádio acompanhar seu time jogar, enfim, prostrar-se frente à TV para torcer pelo seu clube do coração, só mesmo jogar futebol. E foi justamente para isso, para essa prática descompromissada do futebol que inventou-se a “pelada”. A pelada é uma daquelas instituições sem as quais os brasileiros não podem viver.
O sujeito passa sem a previdência social, sem a universidade, sem a instituição bancária, prescinde do automóvel, prescinde da profissão, esquece o salário mínimo, vive sem o viagra, passa até sem o cardiologista, mas não vive sem uma saudável pelada no meio ou nos fins de semana. E a pelada não serve apenas, como parece ser o seu objetivo primordial, para que ponhamos em dia, nesses tempos de sedentarismo, a nossa parca condição física. Também não serve apenas, como parece ser a sua finalidade acessória, para baixarmos aquela “barriguinha” de que a mulher, ou a amante, ou a namorada, reclama tanto.
A pelada é muito mais do que isso. Conheço sujeitos que jogam a sua peladinha como o seu mais eficiente regulador psicológico. Diria que há até indivíduos que só ainda não cometeram suicídio por causa da saudável prática de sua bendita pelada. Para escapar do ontológico destino, como diriam os niilistas, de terem vindo do nada e caminharem inexoravelmente para o nada, há os indivíduos que bebem, os que viram santo, os que batem na mulher, os que se julgam profetas, os que despirocam de vez, os que tomam cianureto, e os que, enfim, jogam sua pelada.
A pelada, para falarmos um pouco da sua origem e melhor compreendermos a sua importância humana, cultural, antropológica mesmo, surgiu na vida do brasileiro por uma questão, digamos, sociológica. Todos sabem que quando o futebol chegou ao Brasil, trazido pelas mãos, ou melhor, pelos pés de Charles Miller, aqui se instalou pelas mãos – e, claro, pelos pés - das elites. Assim, no seu início, o futebol era um esporte eminentemente elitista do qual os pobres, os negros, os proletários, a por eles chamada “gentinha”, enfim, não podiam tomar parte.
Para evitar o achego ao esporte dessas classes da base da pirâmide social, os membros da elite brasileira do fim do século passado e início deste século praticavam o futebol em recintos fechados e só franqueados a seus membros: os chamados clubes sociais que até hoje conhecemos. Como o esporte era sedutor para todos, os pobres, os negros e os proletários, que inicialmente entravam apenas como platéia formando o que hoje conhecemos como a torcida, resolveram entrar verdadeiramente no jogo. E o que fizeram para poderem praticar tão maravilhoso esporte? Desceram de cima dos muros dos clubes onde se amontoavam para ver os ricos jogar e fundaram a pelada.
Em que, então, consistia, a pelada? Consistia no seguinte: o sujeito descia dos muros dos clubes, convidava os amigos e, no meio da rua, ali no meio das esburacadas ruas dos subúrbios, as chamadas várzeas do futebol, colocavam quatro pedras no chão para formarem as traves, compunham dois times de amigos e, de canelas nuas, sem a indumentária adequada – daí o termo “pelada”, porque jogavam “pelados”- iam imitar os membros da elite brasileira naquele jogo espetacular. Como vocês podem ver, também no futebol já se reproduziam as relações perversas mantidas no Brasil entre a sua elite e o seu povo.
Mas deixemos de sociologismos e vamos ao que interessa. E o que interessa é registrarmos aqui a importância da “pelada” na vida do brasileiro e, por conseqüência, do próprio futebol. Como o propósito dessa coluna é o de discutirmos o futebol sob o prisma da cultura, trouxe hoje aqui para bater uma bola com vocês um craque da pelada em uma de suas tantas antológicas jogadas. Trata-se do músico, compositor e verdadeiro cronista da MPB, o famoso Aldir Blanc, parceiro de João Bosco e autor de pérolas do nosso cancioneiro popular tais como “Tá lá um corpo estendido no chão” e “Corsário”. Escutemos então, através da sua pena de cronista, esse texto genial sobre a “pelada” intitulado: “Enterrem meu coração no mato da várzea”. Eis o texto:

“A pelada na várzea é o clássico que disputamos em nossos melhores sonhos. Em cada craque milionário mora o fominha com a unha do dedão lascada por ter chutado, no fim da pelada, já de noite, uma pedra drummondiana. Todos estivemos lá um dia, e a solenidade de nossos gestos, antes da partida, era de final de Copa do Mundo: coração batendo forte, boca seca, calçando os velhos meiões (os meus eram azuis e brancos), passando o cadarço da chuteira por debaixo da sola antes de amarrar, sentindo o cheiro de sol de quarador e de sabão vagabundo na camisa que o dono nos entregava... Sim, aquele jogo, num sábado que parecia igual a todos os outros, pros lados de Ramos, seria o maior da minha vida. O resultado real importa pouco. Porque aquele jogo, naquele sábado, com a favela em torno e tiros na hora em que o adversário entrou em campo, foi aprimorado inúmeras vezes na memória e no sonho. Nessas lembranças oníricas, que são também celebração de uma adolescência cada vez mais distante, e por isso cada vez mais presente, aquele banal rito de passagem vem aos poucos adquirindo contornos de mito: o escorregão na lateral, que quase atira o esquálido zagueiro na vala, transformou-se num drible espetacular, após o firme desarme do ponta deles, arisco, um terror, e eu desço pela esquerda com a bola dominada, o vento na camisa, cheiro de sol e sabão vagabundo, cabeça erguida, como Nilton Santos, e, o sonho dos vinte anos, cruzei na testa do centroavante João Banana e gol! Mas nas reminiscências alcoólicas de um fim de noite no Lamas, com trinta e tantos anos, bati forte do meio da rua, e a redonda entrou no ângulo, no gogó da ema, lá onde a coruja dorme. Vencidos pela beleza do lance, os espectadores, até então hostis, aplaudiram, tímidos no começo, depois freneticamente, e um bêbado desdentado gritou:
“Valeu, Palito!”
Palito. É isso aí, meus netinhos: treinei no Vasco com esse apelido e quase, quase cheguei a titular. Problema nos meniscos.
Quando eu morrer, me enterrem num campinho de subúrbio, no menor e mais esburacado deles, perto da cabra vadia nelsonrodriguiana e de flores sem nome, e que um antológico passe de letra seja dado sobre a grama que prolongará meu peito onde, na várzea, um dia, vento na camisa, cheiro de sol e de sabão vagabundo, vibrou meu coração”.
Obs: Outra explicação para a origem do termo pelada: a palavra vem do espanhol pella (bola de borracha), daí pelada, jogo com bola de borracha.

Foto de Alexandre Battibugli

A poesia e a bola


Como todos nós sabemos, conforme aprendemos na escola, há o mundo da natureza e o mundo da cultura. O mundo natural é aquele regido por leis que nada tem a ver com a presença do homem na terra. Até porque o mundo natural é infinito – maior que a terra, portanto - e vive em permanente expansão segundo nos afiançam a Física e a Astronomia. O mundo natural, assim, existe à revelia das vaidades e vontades humanas, tem suas próprias leis e, na falta de melhor explicação plausível para sua origem e finalidade, entregamos a Deus o seu destino.
Já o mundo da cultura, por seu turno, é erigido a nossa imagem e semelhança. Isto é, existe a depender da ação do homem sobre a natureza. Assim, racional ou irracional, organizada ou desorganizada, esta ação atira sobre nós mesmos o ônus do nosso destino e, por conseguinte, para facilitar a nossa caminhada aqui no planeta, tendemos a enfeixar em alguns distintos campos de conhecimento, os nossos registros de cultura. Portanto, para adaptar a natureza às nossas necessidades humanas de sobrevivência eis a ciência; para conformar as necessidades humanas à natureza eis a arte e para convocar a natureza aos limites do homem, eis o esporte. Quando, pois, o esporte é praticado com pretensões maiores que a simples vontade de superação dos próprios limites do homem, ele se encontra com a arte. É este, por exemplo, o caso do futebol brasileiro, um esporte que acolhemos de outra cultura (a inglesa), mas que praticamos como ninguém, elevando-o à categoria de arte e imprimindo nele potencialidades estéticas inenarráveis.
Assim, ao ter passado a vista acima, no título destas linhas, você, leitor arguto, aquele que pela inteligência e leveza de espírito é já um diferencial na esteira das opiniões correntes, deve ter-se perguntado: mas o que tem a ver poesia com bola? Ou, melhor, o que diabo tem a ver a arte de Orfeu e Anfion com as peripécias esféricas de Pelé e Garrincha? E eu te responderei, leitor arguto, que tem sim. Que a relação de uma arte com a outra é direta e cristalina. E direi ainda, a título de explicação, que essa relação começa por um fator de semelhança e outro de diferença. Esclareceremos.
Desçamos primeiro ao fator de diferença: a poesia, no seu sentido estrito, é hoje a arte mais elitista que conhecemos. Historicamente, no entanto, nem sempre foi assim: sua prática restrita a círculos fechados de letrados ou congêneres. Decorrência do seu processo histórico de elitização, a poesia, mesmo em sua versão popular, nunca tornou-se uma arte verdadeiramente democrática. Isto porque, dado o seu caráter essencialmente revolucionário, tanto ao nível da operação que encerra na linguagem quanto no largo espectro de motivos em que o poeta investe para a sua criação, a poesia sempre foi cuidadosamente afastada do povo. É que o povo, tido como perene ameaça aos poderes constituídos, precisa de cultura para poder degustar a arte da poesia. E como geralmente a tarefa da educação do povo é facultada aos tais poderes constituídos, estes a sonegam às massas como forma de controle político. Resultado: o povo quer, necessita, mas não tem acesso à poesia.
E o futebol? Acontece ao futebol, como já dissemos, algo semelhante e ao mesmo tempo diferente do que sucede à poesia. Admitindo que o futebol é uma arte – e é assim que o entendo – percorramos a sua história. O futebol chegou ao Brasil no fim do século passado trazido por membros da elite brasileira que estudavam na Europa. Aquela história que todo mundo já conhece, de Charles Miller que, vindo de Londres onde fora estudar, trouxe uma bola e as regras do esporte com o intuito de introduzi-lo no País. Assim, de início absolutamente elitista, foi sendo progressivamente apropriado pelas classes populares brasileiras e por uma leva de emigrantes que aqui aportavam no início do século. Foi justamente a entrada do povo na prática do futebol – a inserção do negro, do caboclo e do branco periféricos com seus dotes raciais miscigenados – que deu a esse esporte, no Brasil, o estatuto de arte popular mais democrática do país. Foi assim, com a introdução original do jeito brasileiro de jogar, que ganhamos cinco copas do mundo em apenas um século de prática do esporte.
Já se vê aí, em itens contrapostos, o fator de diferença entre as duas artes: o caminho de elitização que percorreu a poesia e, ao contrário, o percurso de popularização que seguiu o futebol. Quem porventura disso duvidar, faça a seguinte experiência: entregue dois livros de poemas a seu filho e veja o que acontece. Ele irá para o meio da rua, fará duas traves com os livros e começará uma deliciosa pelada em companhia dos amigos. Nada de errado com o seu pimpolho, arguto leitor. Sendo este o caso, relaxe, observe com cuidado a tal pelada e descobrirás maravilhado o fator de semelhança da poesia com o futebol.
Sobre esse segundo ponto, contudo - a ligação pela semelhança do futebol com a poesia -, trataremos no próximo encontro, já que a editoria de A União nos franqueou um espaço semanal para discutirmos aqui a relação do futebol com a cultura de um modo geral. Fiquemos, por enquanto, a propósito da relação poesia e futebol, com este recado de um poeta paraibano, que resume o que pode acontecer na pelada do teu filho. Ou seja, como a maneira dele jogar, tratar ludicamente a bola, se assemelha às investidas do poeta com a palavra para a feitura de um poema. O poeta, no caso, é o nosso saudoso Eulajose Dias de Araújo. Leiamos seu texto:

Palavrasbolas

As palavras não são
bolas de futebol,
mas eu jogo com
as palavras como
se bolas elas fossem...

Futebolescas as palavras
se tornam bolas
para todos os acertos
de concordância ou sintaxe,
gramática jogando
com matemática quase.

Gol de pensamento
são as palavras no tempo,
ou no tempo de tempo,
ou no tempo de tempo,
são as palavras:

palavrasbolas paraboladas
jogando palavreadas.
Foto de Luis Humberto

A despedida de um grande artista


Tá certo. Há quem discorde da minha tese, digamos, romântica, de que o futebol nada mais é do que pura arte. Falo do autêntico futebol brasileiro, bem entendido! Aquele futebol que comove em campo, que arrebata o nosso espírito e nos atira na maior das inefáveis epifanias. A imponderável, lírica e irrespondível questão que nos assoma de como alguns homens obram, apenas com uma bola nos pés, tão sinuosos, estonteantes, líricos, radicais e mesmo subversivos milagres nos seus mais íntimos e autorais instantes de criação: as famosas jogadas de antologia de que nos falava Nelson Rodrigues, culminem ou não elas com o gol.
É que há igualmente neste vasto mundo - redutos de todas as criaturas - tanto o lugar do tolo como o lugar do sábio. Tanto o lugar dos entes criativos como o lugar dos seres obtusos. Afirmo isso para marcar de vez um parâmetro de eixo para essa nossa conversa de domingo. Ou seja, aqueles que não conseguem ver no jogo de futebol espaço para a sua consideração como expressão artística passarei a chamá-los doravante de seres obtusos.
E, convenhamos, seres obtusos os há de sobra e vários são seus modos de enxergar esse vasto mundo. De maneira que ser obtuso não entra aqui como uma classificação de demérito. Pelo contrário. Eu mesmo quando não acho a menor graça no fato de dois marmanjos ficarem atirando socos na cara um do outro, neste esporte que todos chamam de boxe, me vejo na pele do mais sideral dos seres obtusos de carteirinha. Afinal, há milhares de seres que apreciam o boxe, assim como eu aprecio o futebol. Como se vê, reside, portanto, aí, nessa consideração do que é esporte em contraposição ao que é arte, o cerne do tema que vamos tratar aqui, pois que é o propósito desta crônica abordar a despedida dos gramados de um verdadeiro artista da bola.
Os seres obtusos, por exemplo, aqueles que não conseguem ver o futebol como arte, argumentam que esta possui um complexo e específico estatuto constitutivo. Um conjunto de normas e procedimentos que, manejados pelo homem de alma sensível, garantem-lhe a condição de espaço de produção de beleza aos nossos sentidos. Fica claro, portanto, que os produtos artísticos recebem, assim, dos seres obtusos, a aura de obras do espírito.
Já o esporte, por outro lado – e o futebol é um esporte, garantem os obtusos -, é, no máximo, por assim dizer, o reduto de atuação do corpo. E um corpo bem treinado – garantem ainda os obtusos - pode fazer, com ou sem uma bola, as mais despirocadas acrobacias. Vê-se, então, que a atuação da alma, neste espaço especificamente corporal que é o esporte, ficaria um tanto deslocada ou mesmo relegada a um segundo plano. Pois eu lhes afirmo com todas as letras que no futebol age mais o espírito do que o corpo. Pelo menos no autêntico futebol brasileiro, bem entendido!
Reflitamos juntos com algumas questões. A inspiração não é um dos mais autênticos componentes artísticos? É. Pois não há arte – ou esporte, vá lá! – em que a inspiração não seja tão essencial como no futebol. O trabalho com a forma e o zelo pelo conteúdo não são igualmente genuínos elementos artísticos? Eu respondo: são. Pois não há preocupação maior com a forma – veja-se os componentes táticos e estratégicos de uma partida de futebol bem jogada – do que num jogo de futebol. A criatividade - o instante irrepetível, o insight, o improviso – não é igualmente item de valorização da arte? Pois é ela que, no futebol, faz a diferença do simples jogador para o grande gênio, aquele que faz a diferença. Assim como na arte.
Também o equilíbrio na composição - só para encerrar aqui a enumeração dos infindáveis itens artísticos -, é elemento indispensável tanto na elaboração individual das jogadas como no conjunto de uma partida de bom futebol, para o que concorrem todos os jogadores em campo. E aqui chegamos ao que nos propomos desde o início: saudar, com a efêmera mas sincera lembrança de uma crônica, a passagem pelo futebol brasileiro de um dos seus mais autênticos e geniais artistas. Refiro-me ao jogador Raí, do São Paulo Futebol Clube, que, após participar dessa primeira Copa dos Campeões aqui em João Pessoa e em Maceió, promete abandonar de vez o futebol como jogador profissional.
Raí Souza Vieira de Oliveira (15/5/1965), chegou ao futebol como o desconhecido irmão do doutor Sócrates, o genial craque corintiano que pontificou numa das maiores seleções de futebol que o Brasil já teve: o escrete da Copa de 1982, na Itália. Assim como o irmão, veio para a capital paulista oriundo do Botafogo de Ribeirão Preto, sua cidade natal, onde iniciou sua carreira. Viera transferido para a Ponte Preta de Campinas de onde pulou para o clube que revelaria seu talento ao mundo: o São Paulo Futebol Clube de onde só saiu para o Paris Sant-Germain da França, retornando ao Morumbi em 1998.
No São Paulo Raí foi um pouco de tudo vindo a tornar-se, ao longo de nove anos em que jogou pelo time, o símbolo incontestável de um clube que ostenta em sua galeria de craques nomes como Gérson, Pedro Rocha, Müller, Oscar, Cerezzo, Mauro, Bellini, Mário Sérgio, Denilson, entre outros, além, é claro, do genial centroavante Leônidas da Silva, o lendário diamante negro. Em relação a títulos, Raí ganhou quase todos dos que participou como líder maior do São Paulo. Foram um título mundial em 1992 – em que marcou os dois gols da final em Tóquio contra o poderoso Barcelona - ; duas Taças Libertadores da América (93 e 94); um campeonato brasileiro (o de 1991); e seis títulos de campeão paulista: os de 1987, ano em que chegou ao clube, e mais 89, 91, 92, 98, e o deste ano dois mil.
Mas eis que, proezas à parte, encontro com o velho ídolo por duas vezes, nas minhas andanças de profissional de imprensa ou como simples e anônimo torcedor: num jogo pela Copa do Brasil contra o América de Natal, aonde fui cumprir a promessa de levar meu filho para ver pela primeira vez o seu São Paulo (e o seu ídolo maior) jogar e agora aqui, em João Pessoa, no treino para o segundo jogo do time pela Copa dos Campeões contra o Vitória da Bahia. Em ambas as ocasiões, Raí comprovou, também fora de campo, ser o que todos nós comprovamos sê-lo dentro das quatro linhas. Um sujeito educado, finíssimo, no trato com as pessoas. Assim como com a bola. Um verdadeiro artista na acepção da palavra. Aquele homem que faz sua arte tocar o coração do seu semelhante.
Vê o leitor que o tom dessas linhas é já de despedida e, portanto, de irremediável nostalgia. É que quem viu o Raí jogar dificilmente se acostumará com a falta de estilo, a falta de delicadeza no trato com a bola ou com os companheiros, a truculência mesmo que impera no futebol moderno. Para Raí, a bola era uma espécie de amante arredia a quem se deve seduzir com arte e estilo. A quem não se deve poupar mimos ou badulaques, loucas promessas e carícias intempestivas. Os companheiros – sim, porque Raí não tinha adversários, tinha companheiros – compunham para ele o cenário indispensável desse intricado palco de paixões humanas que é o futebol. E Raí jogou em João Pessoa para nós paraibanos. Ao lado do nosso Marcelinho, que acalentou como um pai guia um filho a caminhos dantes navegados, Raí foi artista mais do que tudo. No Almeidão, com a bola nos pés, desenhou poemas no ar e traçou com linhas geométricas o difícil caminho das vitórias; regeu, como um maestro, a cadenciada e doce música futebolística do seu São Paulo e, num breve instante de condensação – típico da grande arte – transfigurou-se no fúlgido e eterno gesto de um adeus.

Jornal A União 16.07.2000

*Sport 3x1 São Paulo. Neste Jogo, pelas semi-finais da I Copa dos Campeões, realizado em 22/07/2000, no Almeidão, João Pessoa, Raí fez sua despedida como jogador profissional. Raí marcou 127 gols pelo São Paulo em 372 partidas disputadas pelo clube.
Foto de Antônio Gaudério

A grandeza dos pequenos


Prometemos continuar uma conversa iniciada na coluna da semana passada acerca da grandeza e da pequenez de todas as coisas. A idéia de fundo, enraizada em todas as culturas, é a de que sempre nos orientamos sob os dados da realidade baseados num providencial senso de horizontalidade e, principalmente, de verticalidade. Isto é, consideramos sempre que há coisas superiores – os gestos nobres, as ações heróicas, por exemplo –, mas também coisas pequenas, inferiores, tais como os gestos mesquinhos, as ações pusilânimes, enfim, as atitudes ou covardias inclassificáveis.
Trazendo a discussão para o mundo do futebol, nos debatemos sempre com o hábito de colocarmos num patamar superior de nossa consideração e estima os chamados clubes grandes como o Flamengo, Corinthians, Grêmio, Palmeiras, Vasco, entre outros; e, por oposição de valores, empurramos para a prateleira dos cacarecos insignificantes os ditos clubes pequenos, a exemplo do Brasil de Pelotas, Baré de Roraima, Fast Clube do Amazonas, Dom Pedro do Distrito Federal, Gurany de Sobral, Sinop do Mato Grosso, e, principalmente, a estrela maior dessa constelação de times menores: o Íbis, de Pernambuco, que tem esta posição de destaque entre os pequenos por ser considerado unanimemente como “o pior clube do mundo”, com inscrição no livro dos récordes e tudo.
Trouxe o Íbis para esta nossa conversa de fim de semana porque entendo ser ele (o glorioso Íbis, o pior de todos os times do planeta) um exemplo palpitante do quanto é arbitrária a nossa maneira hierárquica de olharmos para a realidade. Dissemos, no nosso início de conversa da semana passada que algo pode ser grande justamente por comportar-se como algo pequeno, humilde na sua maneira de ser, nem soberbo nem ostentatório das virtudes que lhes é constituinte, enfim, singelo na sua grandeza de ser pequeno. O contrário também bem que pode acontecer, como na música de Gilberto Gil: algo tornar-se pequeno justamente por insistentemente querer ser grande, pretender assentar a existência num patamar além dos limites do seu próprio tamanho, ostentar uma grandeza que nada mais é do que a face oculta da sua própria pequenez.
É aqui, meus caros leitores, que reponta a grandeza do Íbis no cenário do futebol brasileiro. Não se preocupando em querer ser o melhor, o maior, contenta-se na modéstia de ser o pior, e por isso é grande. E a sua grandeza, com efeito, é invejável. Alguém já viu o Íbis perdendo o sono por estar metido em dívidas impagáveis? Pois este não é o atual caso do Flamengo, do Vasco e de muitas outras figurinhas carimbadas do futebol brasileiro, que só sobrevivem emburrando os débitos (e alguns dirigentes) com a barriga? Não, o caso do Íbis é outro, porque o Íbis é grande. Grande até na sua infinita generosidade. Lembre-se, a propósito, aquela fase horrível da Seleção Brasileira pré-pentacempeonato quando estava ameaçada de não passar das eliminatórias da Copa do Mundo perdendo para alhos e para bugalhos. Ante a esquiva de várias seleções do mundo em não querer disputar jogos amistosos com o Brasil (para treinar o nosso escrete, pasmem!), foi o Íbis quem se ofereceu para esta cívica e patriótica missão.
Até no seu metier político, o Íbis é exemplarmente grande. Foge à regra de baixarias e de sopapos que comanda os ditos grandes clubes quando estes entram em processo eleitoral para a escolha de sua elite dirigente. Aqui, mais uma vez, mirem-se, senhores, no exemplo do Íbis e meditem sobre a contingência humana de ser grande ou de ser pequeno. Convoco as crônicas para vos ajudar porque elas não mentem jamais. O episódio ilustrativo deu no Diário de Pernambuco, edição de 16 de novembro do corrente, sob o modesto título: Íbis - Ozir Júnior é o novo presidente. E segue singularmente o texto:
“Confusões, brincadeiras e, claro, inúmeros fatores inusitados marcaram a sempre esperada eleição para presidente do Íbis, realizada ontem, em um bar do bairro do Ponto de Parada, próximo ao clube Madeira do Rosarinho – local anteriormente marcado para o pleito. Na última hora, as portas do clube estavam fechadas e ninguém tinha as chaves. Mas as eleições não poderiam ser adiadas e, em consenso, os candidatos decidiram fazer a votação no barzinho do outro lado da rua.
Eram seis candidatos – Ozir e Omar Júnior (filhos de Ozir Ramos), Joaquim Caldas, Ângelo Duarte, Sóstenes Mesquita e Ricardo Lessa – mas antes mesmo de abrir a urna, um deles desistiu em favor da candidatura de Ozir Júnior. Já na mesa do bar, todos reuniram-se e, em consenso, decidiram reduzir a eleição para duas chapas, colocando os principais candidatos, Ozir Júnior e Joaquim Caldas frente a frente.
Cinco candidatos, quatro conselheiros (de quase 60 existentes) e dois sócios torcedores (de quase 10 mil que possuem a carteirinha do clube) apareceram para votar. Não tinha urna eletrônica, nem sequer cédula eleitoral. Era apenas um pedacinho de papel rasgado onde cada um escrevia o nome do seu candidato favorito, dobrava e colocava na caixa de madeira, organizada pelo presidente da mesa e de honra do Íbis, Ozir Ramos.
A contagem dos votos foi rápida e deram a Ozir Júnior a presidência do pior time do mundo que agora volta ao poder da família Ramos. “É um absurdo. O pai do candidato é o presidente da mesa. Essa eleição deve ser impugnada, basta essa dinastia no Íbis”, protestou o derrotado Joaquim Caldas. Ozir Júnior comemorou a vitória lá mesmo na zona eleitoral e, como qualquer candidato eleito, fez suas promessas difíceis de se acreditar: ´Vou levar o Íbis à primeira divisão`, garantiu Júnior”.
Resta apenas dizer que o protesto acima foi feito em tom de brincadeira e que a seqüência do dia transcorreu na mais pura confraternização e alegria entre os dirigentes e torcedores do Íbis, clube cuja insofismável grandeza as crônicas de agora e de sempre inscrevem no livro de ouro do futebol brasileiro. Per secula seculorum, amém!
Foto de Leonardo Duarte

Os verdes gramados quando de preto tingidos


Dedico este texto ao garoto Jose Mayta,
que torcia pelo Universitário do Peru,
seu time do coração, e morreu queimado
com um rojão durante uma partida do
campeonato peruano de futebol.


Posto que a vida é movimento, todos saibamos, o esporte de um modo geral – e o futebol em particular – existe para celebrar a vida. E não é outro o sentido que encerra a famosa sentença: mens sana in corpore sano. Todos os atletas de todas as modalidades esportivas formam, assim, uma espécie de arautos eloqüentes dessa máxima latina. Eles carregam em seus músculos a força e o sentido pulsante da afirmação vital. São a elocução peremptória – seja nas pistas de atletismo, nos ringues de boxe ou nos campos de futebol – da vitória, ainda que transitória, do instinto de vida sobre o instinto de morte. Eros vencendo Thanatos, como explicaria Freud. Ocorre, porém, que o esporte é essencialmente humano. E sendo assim, não está incólume às vicissitudes contingentes da nossa condição.
Elaborei dessa maneira a introdução desta crônica de domingo após passar em revista – e esse é também o dever de um cronista – os fatos esportivos deste mês que na minha modesta avaliação tiveram relevância humana no seu permanente conteúdo de tristeza e de alegria, de comédia ou de tragédia.
Resultou, portanto, dessa minha avaliação aleatória e arbitrária dos fatos, uma convicção a que cheguei sem que quisesse: as coisas da morte, muita mais que as da vida, também no esporte, tocam mais profundo a alma do cronista. Refiro-me aqui a uma notícia que colhi num canto de página de jornal onde jazia quase esquecida: o suicídio do jovem atacante argentino de 21 anos do San Lorenzo, Mirko Saric, ocorrido no último dia 4 deste mês. Abdicando de viver, Saric inexplicavelmente enforcou-se com uma corda pendurada numa viga dentro da sua própria casa, no bairro de Flores, em Buenos Aires.
Mirko Saric havia estreado na primeira divisão do futebol argentino há apenas dois anos. Tinha disputado 41 partidas e marcado quatro gols. Quando resolveu se enforcar, estava se recuperando de uma forte lesão nos ligamentos cruzados do joelho, contusão que o vinha mantendo afastado da sua equipe nos últimos meses.
Como quase todos os suicidas, Saric não aparentava motivo para cometer o ato. Era jovem, bem parecido, muito assediado pelas mulheres, detentor de um bom contrato e atuava em um time de nível do futebol argentino. Consta, contudo, que era depressivo. O que teria, então, levado Saric a se matar? Seriam mesmo os tais inescrutáveis mistérios humanos?
Não para explicá-los, posto que inescrutáveis, mas para lançar luz neste inextricável campo das coisas humanas, foi que lancei mão de minhas gavetas de acontecimentos pretéritos. Nelas, encontrei fatos e relações possíveis entre eles. O passado explicando o presente, talvez. Encontrei também uma crônica de Nelson Rodrigues que discute o tema do suicídio e que, devido ao seu pungente apelo humano, merece transcrição nesta coluna, como uma homenagem ao maior dos cronistas esportivos do Brasil:
“Cada um de nós é um suicida frustrado. E se ainda não estouramos os miolos, ou não pendemos de uma forca, ou não tomamos formicida, é que nos salva, sempre, em cima da hora, a nossa incoercível pusilanimidade vital. Mas se cancelamos o nosso suicídio, admiramos e, mais do que isso, invejamos o alheio. Vejam Maneco, o ex-craque do América, que bebeu formicida na casa de um parente.
Outros jogadores já morreram: - de doença, de acidente e, até, de fome. Mas o suicida não é um morto qualquer. Tem uma morte única, inconfundível, inalienável. Ou por outra: - não morreu, propriamente, matou-se. E, com o exemplo de Maneco, verificamos, ainda uma vez, que o suicídio tece um parentesco sutil, mas irresistível, entre nós e o defunto. Quando os jornais e o rádio anunciaram o fato, cada leitor e cada ouvinte sentiu-se crispado e irmão de Maneco. Eu soube na rua. Um amigo meu, que vinha em sentido contrário, atirou-me na cara a notícia: - “Suicidou-se o Maneco!”.
Era atualmente um simples técnico de juvenil, no América. Fora escorraçado nos jornais. Ninguém falava nele e só uns poucos lembravam-se de sua passagem pelo futebol. E, no entanto, raríssimos craques tiveram uma carreira tão fulgurante, embora breve, muito breve. Houve um momento em que aparecia todos os dias, no berro gráfico das manchetes. Basta dizer o seguinte: - chegou a suplantar, a barrar no escrete o grande Ademir. E numa segunda-feira, após um Brasil x Argentina, foi demais: - seu nome encheu todas as bocas como saliva. E que fizera ele para pôr assim histérica uma cidade? Apenas isto: - três ou quatro jogadas de antologia. O futebol de Maneco era realmente enfeitado, pulado, colorido como um índio de carnaval. Mas essa glória, que era alucinante, foi também muito rápida.
E, súbito, o craque começou a perceber que a multidão já lhe negava o aplauso. Se, ao menos, fosse vaiado! Mas nem isso, nem isso! Por fim, quando se falava nele, já faziam confusão: - “Maneca, do Vasco?” Não há ninguém mais desconhecido. Ninguém mais obscuro, ninguém mais anônimo do que o sujeito que foi célebre um dia. Quanto à imprensa, o rádio, à televisão, viviam esfregando na nossa cara o outro Maneco mais atual: - Didi. Por último, veio a história dos quarenta contos, que não pôde pagar. O meu confrade Carlos Renato disse bem: - numa terra em que todos devem, Maneco morreu de paixão, por uma dívida.
Cabe nesta crônica o raciocínio: - o ex-craque matou-se por causa de quarenta contos. E assim sendo todos os que, na face da terra, aqui ou alhures, dispõem de uma importância igual ou maior, estão implicados no episódio. Por outro lado é um erro considerar-se o suicídio como tal. Na verdade, ele representa algo mais: - é um assassinato. Examinemos uma relação, ainda que sumária, dos que influíram no seu desespero: - primeiro os que tinham quarenta contos ou mais; e, depois, todos nós e cada um de nós. Sim, amigos: todos os que lhe negamos o aplauso, que lhe viramos as costas, que o confundimos com o Maneco do Vasco, que o esquecemos, somos co-assassinos de Maneco”.

Cabe, também, ainda nesta crônica, outro raciocínio, para continuarmos na linha rodrigueana: Por que, então, teria se matado Mirko Saric, o jovem atacante argentino do San Lorenzo? Que fique claro: o ser humano é muito mais perguntas do que respostas.
Foto de Walter Firmo

De futebol e de mulheres


O futebol é mesmo um jogo repleto de encantos e de mistérios. Talvez por isso, por rivalizar, em termos de encantos e de mistérios insondáveis, com o universo feminino, é que as mulheres nutrem pelo futebol uma relação baseada na mais tensa polaridade: umas o amam, outras verdadeiramente o detestam. E cada uma à sua maneira. Assim, há as que vêem no futebol a mais lídima expressão da alma lúdica de sua gente. Estas dedicam ao clube do coração (o time escolhido com os mesmos critérios que utilizou na escolha do homem de suas vidas) aquele amor idêntico ao que devota ao ser amado.
Mas há, também, as que vêem no futebol justamente o contrário. Ou seja: um jogo odiável e sem o menor sentido. Um jogo em que não entendem “como é que um monte de marmanjos ficam quase duas horas a correr atrás de uma bola quando poderiam muito bem estarem flertando, cortejando, namorando, amando, enfim, suas mulheres”.
Pois bem! Como se vê, o futebol tem mais este inapelável charme: o dom de dividir o coração das mulheres.
À parte essa abordagem, digamos, meramente emocional das mulheres para com o futebol, a relação de admiração e repulsa que elas dedicam a esse jogo merece algumas reflexões. Confesso que já gastei muitos dos meus poucos neurônios tentando compreender por que o futebol fascina tanto o universo masculino e desagrada tanto (claro que a situação já mudou bastante) à grande parte das mulheres.
Do tanto que li sobre o assunto, restou-me ainda um amontoado de dúvidas que não me esclarece inteiramente a questão, mas, devo confessar, retive comigo uma certeza quase pueril para explicar o porquê do gênero masculino gostar tanto de futebol. A coisa é bastante simples: o homem gosta de futebol – tanto de jogar como de apreciá-lo como espetáculo – porque ao se esbaldar no jogo da bola, o homem volta a ser criança sem deixar de ser adulto. E mais: ele realiza simbolicamente com a bola, em termos ritualísticos (o mundo é uma esfera), o domínio que gostaria de ter sobre a natureza. No mais o homem é sozinho, é desprotegido, é incompleto, é absurdo, o homem é um abismo...
Ademais, o futebol possui ainda para os homens um atributo importantíssimo: constitui-se num dos mais eficazes meios de sociabilidade. Um jogo de futebol, seja a mais reles pelada de fim de semana ou o mais importante dos clássicos nacionais, não é apenas um jogo. Ele é antes, é durante e é depois. Talvez seja exatamente essa característica do futebol – ser um fator da sociabilidade masculina - que incuta nas mulheres um certo desprezo por tal esporte. Afinal, muitas são as mulheres que se consideram preteridas ante a pelada ou o jogo que lhe roubou o marido, o namorado, a companhia, o amante, enfim.
E quem já testemunhou uma mulher (digo uma mulher feita, adulta) se sentindo criança outra vez ao brincar com uma boneca? Pois um homem com uma bola nos pés é a mais pura e inocente criança a brincar com seus sonhos e abismos. E quem igualmente já viu as mulheres se juntarem em volta de uma mesa de bar para, após uma sessão de brincadeiras femininas, discutirem, com a mais empedernida convicção, sobre este ou aquele “lance” genial? Pois o homem faz isso com o seu mágico universo da bola. E faz mais.
Confira-se, por exemplo, as sutis conjecturas do grande jogador do São Paulo Futebol Clube da década de quarenta, Ieso Amalfi, sobre as relações entre a bola (leia-se o futebol) e as mulheres. O centroavante Ieso Amalfi fazia parte do maior time do São Paulo de todos os tempos, aquela orquestra de jogar futebol em que pontificavam nomes como Bauer, Rui, Noronha, Sastre, Remo, Luisinho e o maior de todos: Leônidas da Silva, o diamante negro.
O relato de Ieso Amalfi nos chega pelas mãos do colega jornalista Miguel Arcanjo Terra, autor do livro “Futebol que lava a alma”, publicado em 1998 pela Editora Rideel Ltda. Acompanhemos, pois, esse seu jogo maroto:
“Uma mulher e uma bola de futebol – falou Ieso – trazem plena confiança de que você existe. Quando bem próximas e dominadas, a sensação é de poder. A alma deixa de ser pequena.
Ah, uma mulher ou uma bola distante... A sensação de abandono aperta e sufoca.
Como ter uma bola de futebol ou uma mulher sempre aos pés?
Ieso sempre se deu bem com as duas, talvez um pouco mais com as mulheres. E ensinou que jamais se deve correr desesperadamente atrás de uma bola. Uma mulher é capaz de lances com efeitos imprevisíveis, quando sente que a buscam em aflição.
Quando uma bola ou uma mulher estiver em jogo, erga a cabeça, aconselhava Ieso, e estenda seu olhar para a metade inteira do mundo que fica à sua frente. Uma espécie de olhar vago, muito vago, onde nenhuma das duas se sente como foco principal. Nessa hora, a bola chega. Sem feito, Meiga. Mansa. Uma mulher não gosta de passar despercebida no meio do campo. Instintivamente, ele teme o desinteresse dos homens. Ela sabe que o tempo é inexorável. Toda bola fica murcha, um dia. Assim, ela vem a seus pés, humilde. Nessa hora, não chute, mas afague. Nem tenha a pretensão de que ela fique ali para sempre.
Com o olhar aberto para a metade inteira do mundo, pressinta as aproximações. Quem for do seu time raramente vai lhe tomar a mulher. Mas, não confie muito. Lembre-se de que um dos 10 maiores pecados dos homens é desejar a bola do próximo.
E se ela for manhosa?
Ieso aconselhava a tentar o domínio, antes de dar um bico. As vezes, é som um capricho de mulher. Permaneça frio, até que ela se canse e mansamente se entregue. Nessa hora, é permitido até pisar na bola.
Não grite nunca com uma bola que ela não ouve, continuava Ieso. Nem fale demais. As mulheres têm deixado todos os tagarelas e gritadores no meio de campo, a babar na grama.
Ouça sempre o que uma mulher tem a dizer. E se lembrava de Heleno de Freitas, que de tanto afagar sua loucura, chutou para fora a genialidade. Numa tarde de treino, ele foi visto a ouvir uma bola. Alguém se aproximou. Ele pediu silêncio. Com a bola encostada à orelha, continuou mudo como uma estátua grega. Chegou mais gente. Jogadores do Botafogo, técnico, massagista, médico, roupeiro, diretores, todos preocupados com a cabeça de Heleno de Freitas. Ele exigia silêncio. A situação já estava incômoda, quando, delicadamente, Heleno desceu a bola ao chão, olhou em volta e disse: ela estava contando todos os maus tratos que tem sofrido no time do Botafogo. Ieso completou: ouça, uma mulher, de vez em quando.
Rindo, ele disse que é bobagem ligar para a torcida quando se perde a bola. É coisa da vida. Não deu mais para segurar, perdeu o controle, tomaram sem que você percebesse?
Relaxe e espere a próxima. Sempre vem. E às vezes muito melhor do que a que se perdeu. Bola, a gente encontra em toda a parte".
Ieso Amalfi, um sábio.
Foto de Walter Firmo

Números são apenas números



Comecemos este domingo, caro torcedor, falando de números. E porque números? Será porque o cronista amanheceu tomado de veia filosófica e resolveu compartilhar com seu leitor a idéia eleática e absoluta, contida na máxima de Pitágoras, de que tudo são números? Ou será porque, reconhecendo uma ponta de verdade no pensamento pitagórico, decidiu, a par de uma série de observações de fenômenos típicos do mundo moderno, imprimir nessa conversa dominical sobre futebol a sua repulsa a uma noção errônea de que os números, por si só, dizem tudo? Ambas as coisa, caríssimo torcedor.
É que não bastassem os números ditarem cotidianamente os passos de nossas vidas em termos de sua expressão econômica ou socionométrica – a taxa de inflação do mês é tanto, o preço do pão subiu tanto, o índice Dow Jones da bolsa de Nova York manteve-se estável no patamar de tanto – eis a realidade fria dos números a adentrar, também, o mundo apaixonante e quente do futebol. E como isso aconteceu ou vem acontecendo?
O leitor mais bem informado deve se lembrar de uma manchete que ocupou todos os bons jornais do país na semana que passou. Era assim, com sutis variações editoriais, o cerne do seu conteúdo: Estados Unidos são o país do futebol, diz a Fifa. Ora, a verdade que pretensamente contém esta informação, todo leitor brasileiro sabe, é risível quando não mentirosa. E em que baseava-se a tal notícia? Baseava-se numa pesquisa da Fifa para mapear, em termos numéricos, a prática do futebol em todo o planeta. Mais uma vez a Fifa perdeu, ao anunciar o tal resultado da citada pesquisa, uma sonora oportunidade de ficar calada. A exemplo do que acontecera quando daquela outra famigerada pesquisa que perguntava pela Internet quem deveria ser içado à condição do maior jogador do mundo, se Pelé ou Maradona, lembram?
Mas vamos aos resultados da pesquisa atual da Fifa, na sua expressão rigorosamente numérica: Os Estados Unidos são o país em que seus habitantes mais praticam o futebol: 18 milhões de pessoas jogam bola na América. O segundo país do mundo a ostentar o maior índice de praticantes do ludopédio (gosto dessa expressão: ludopédio) são, imaginem, a Indonésia. Na seqüência vem o México, com 7,4 milhões de futebolistas, e a China, que é realmente uma potência no futebol feminino, com 7,2 milhões de apreciadores ativos da arte da bola. Só então, na quinta colocação, é quem vem o Brasil, com aproximadamente 7 milhões de praticantes do futebol. Acreditam?
Certa vez, numa outra crônica aqui impressa, falava eu, à guisa de explicação para um tipo de emoção que todo torcedor experimenta ao ver a derrota iminente do seu time se esvair sobre as últimas voltas do ponteiro do cronômetro do juiz, que a razão humana, embora se explique por várias teorias psicológicas e filosóficas, continua a ter lá os seus insondáveis mistérios. Assim, compulsando um pouco das minhas leituras a respeito do tema, arrolava eu diferenciados atributos que configuraria a razão humana segundo sua forma de expressão: haveria, por exemplo, uma razão cativa, uma razão comunicativa, uma razão estética, uma razão instrumental e, embora amplamente expressa pelos inúmeros torcedores do mundo do futebol quando de suas discussões sobre o tema, mas nunca levada à sério pelos estudiosos do comportamento humano, uma razão estritamente futebolística.
Eis que a divulgação, na semana passada, da tal pesquisa da Fifa me serviu como mote para algumas considerações a respeito tanto da chamada razão instrumental quanto da por mim aventada razão futebolística, uma vez que, neste episódio, ambas se abraçam indissoluvelmente.
É fato mais ou menos estabelecido no mundo da imprensa esportiva a tendência e o hábito, como sempre copiada dos americanos, de se explicar as partidas de futebol em termos numéricos. É para isso que existem os “scouts” amplamente comentados nos intervalos dos jogos em que tal time cometeu tantas faltas, perpetrou tantos desarmes, teve tantos minutos de posse de bola, chutou tantas vezes na meta do adversário. A partida, assim, com toda a sua riqueza de variações e surpresa, fica resumida a sua expressão numérica que, no mais das vezes, não explica nada.
Tal concepção do fenômeno esportivo, caro torcedor, não é ingênua nem desinteressada. Ele expressa a visão capitalista e instrumental dos fenômenos sociais para a qual tudo tem que ser medido e aferido em função dos seus resultados. Lembro, neste contexto, a despedida melancólica de um dos grandes jogadores da história da Seleção Brasileira, o volante Dunga, que revelou-se no Internacional de Porto Alegre e que após ser tetra-campeão do mundo, retornou ao seu clube e foi dispensado (repentinamente proibido de treinar sem ser avisado) por uma alegada deficiência técnica. É que os preparadores físicos do clube tinham monitorado o desempenho físico do atleta e descobriram, em suas frias baterias de números, que o volante estava com um “índice de desarmes” muito abaixo da média para um jogador da sua idade.
Essa razão instrumental aplicada ao futebol – tanto quanto a qualquer outro setor da vida – reduz os atos e as potencialidades humanas à realidade fria dos números sem considerar fatores outros também relevantes na avaliação das nossa atividades. Imaginem tal lógica aplicada a um Garrincha! Estaria lá na papeleta dos comentaristas: o Botafogo teve 75% de posse de bola na partida contra o Flamengo e Garrincha monopolizou as ações do jogo ao reter a bola. Do ponto de vista estritamente numérico e instrumental, o comentário tem sua razão de ser. Entretanto, traduz uma verdade e uma razão apenas parcial: Garrincha, com seus dribles geniais, que, afinal fazem a beleza artística do futebol, poderia muito bem, como era do seu feitio, ter desmoralizado os adversários e contribuído, sem que os números pudessem expressá-lo, para a vitória acachapante do Botafogo.
E o pior é que essa lógica instrumental da ditadura dos números solapa todos os outros setores da nossa vida, além, é claro, de também estar incrustada nos nossos momentos de lazer. Veja-se a política, a economia e a administração, por exemplo. No educação o que conta é o número de alunos matriculados por ano e não as condições pedagógicas e até física das escolas, os salários dos professores, a prontidão da merenda escolar. Na economia o que interessa é que “os índices de inflação estão estáveis” não importando o desemprego derivado deles. Na política o principal é ter seguro, em termos numéricos, os interesses da maioria sem que os das minorias sejam levados em conta.
É por essas e outras que desconfio sempre das visões de mundo – ou sobre qualquer outro aspecto dele – baseadas apenas na sua versão numérica. Ou o torcedor acha que o Brasil, que é o único país a ganhar quatro vezes a Copa do Mundo e ser vice em mais duas, é realmente, com seus hoje 170 milhões de apaixonados por futebol, o quinto país do mundo a praticar esse esporte? Não estaria esses números da Fifa, que apontam os Estados Unidos como sendo o país onde mais se pratica o futebol no mundo, a sinalizar para uma abertura de mercado na América para os negócios sempre lucrativos do futebol?
Do contrário, é melhor se acreditar nos números e propor que a Austrália tenha hoje o melhor futebol do planeta. Afinal, ela não acaba de quebrar dois recordes simultâneos no universo do futebol: o de maior goleada em jogos oficiais da Fifa – ganhou de 31 a 0 de Samoa pelas eliminatórias da Oceania – e do maior número de gols marcados numa só partida – seu goleador marcou 13 tentos no mesmo jogo? Haja números!
Foto de Tiago Santana

Brindemos aos poetas da latinha


Nobilíssimo leitor, tomemos, para efeito dessa crônica, o termo lata como sinônimo de microfone, o instrumento técnico com o qual os locutores esportivos trabalham no incessante envio de cargas e sobrecargas de emoções várias ao coração do torcedor, durante as empolgantes narrações dos jogos de futebol por esse Brasil afora. Aliás, é assim mesmo que, na gíria do meio, eles se referem carinhosamente ao seu instrumento de trabalho.
Tomemos também, ainda para efeito dessa crônica, o termo poeta como, no dizer do vate pantaneiro Manoel de Barros, “indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu; espécie de vasadouro para contradições; Sabiá com trevas; sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um Rosto”. E tomemos também, ainda para efeito do alinhavado nostálgico que se desenrolará doravante, a palavra “poesia” como – sempre no dizer do grande Manoel de Barros: “raiz de água larga no rosto da noite; produto de uma pessoa inclinada a antro; remanso que um riacho faz sob o caule da manhã; espécie de resta espantada que sai pelas frinchas de um homem”. Pronto, tem aí o leitor o preâmbulo mais que adequado para o tema de que se vai tratar adiante.
É que na quinta-feira da semana passada, dia 25 de janeiro, data em que o Botafogo da Paraíba enfrentou – e empatou com o América de Natal pelo placar de 1 a 1, no estádio Machadão, pelo Campeonato do Nordeste –, a Rádio Tabajara da Paraíba, “a emissora oficial do esporte no Estado”, completava 64 anos de uma história gloriosa e feliz. E diante de tão importante acontecimento para a história da imprensa da Paraíba, notadamente a imprensa esportiva da qual honrosamente faço parte, o que fez o cronista para marcar (ao menos na face efêmera das folhas), tão relevante efeméride, como diriam os antigos confrades da latinha? Não fez nada. Mas como há sempre tempo para concertarmos nosso erros, eis o poeta menor a digredir sobre os poetas maiores. Sim, porque os locutores esportivos sempre foram pra mim, um sujeito iniciado no futebol através das mágicas ondas do rádio, uma espécie divina de vates alados.
Assim é que, garoto do interior (no sentido literal e metafórico), eu me deliciava, nos idos da minha infância, ao ouvir, através das vozes tão líricas quanto dramáticas de uma plêiade de locutores geniais, as glórias e os reveses dos meus dois clubes de futebol do coração: O Botafogo da Paraíba e o Fluminense do Rio de Janeiro.
Relembro isso aqui, caro torcedor – à guisa de homenagem a todos os locutores esportivos do País – porque não há futebol sem a presença do rádio. As histórias do rádio e do futebol no Brasil sempre andaram juntas. A fase de profissionalização do futebol brasileiro, a partir da década de 30, em grande parte impulsionada pelas idéias do jornalista Mário Filho, o irmão do cronista Nelson Rodrigues, coincide com a primeira transmissão lance-por-lance de um jogo de futebol: trata-se da irradiação feita pelo locutor pioneiro, Nicolau Tuma, da Rádio Educadora de São Paulo, do jogo entre as seleções paulista e paranaense. A transmissão foi feita no dia 19 de julho de 1931 e esta, por questões óbvias, ficou sendo a data de nascimento do radiojornalismo esportivo brasileiro.
Mas deixemos de lado os aspectos históricos do tema e desenboquemos de vez na poesia desses artistas fenomenais. Vários são os nomes de peso desses menestréis da latinha. Na década de trinta destacam-se os nomes do já citado Nicolau Tuma em São Paulo e Oduvaldo Cozzi, no Rio de Janeiro, este famoso pelo seu estilo intrépido, de dicção perfeita na descrição dos lances, como se estivesse transmitindo um drama, coisa que, afinal de contas, o futebol realmente o é. É do Rio de Janeiro também a figura de Amador Santos, da Rádio Clube do Brasil, poeta sóbrio e de voz pausada, que irradiava um jogo como se estivesse transmitindo uma ópera. Proibida pelos dirigentes dos clubes cariocas as transmissões radiofônicas de jogos de futebol, Amador Santos não se fazia de rogado: subia nos telhados vizinhos, nos postes próximos ao campo, escondia-se atrás dos muros portando seu indefectível binóculo mas não deixava o torcedor sem a transmissão do jogo do seu time do coração.
Pois foi o coração que me levou ao universo poético do rádio esportivo. Depois da atuação apaixonada do flamenguista doente Ary Barroso, que gritava gol com uma gaita improvisada, fazendo já então na área a ponte formal entre música e poesia, quem não lembra de nomes como Gagliano Neto, quem primeiro introduziu o grito de goooool prolongado entre os seus pares? Foram estas figuras, entre outras, que inundaram de emoção o torcedor brasileiro que acompanhou os dois primeiros títulos mundiais da nossa Seleção de futebol, nas décadas de 50 e 60, já que a primeira transmissão de uma Copa do Mundo pela televisão só veio acontecer em 1970.
Foi justamente por essa época que iniciei meu contato com a fase áurea (pelo menos para mim) das transmissões esportivas pelo rádio. Eu me enchia de uma espécie de enleio lírico ao ouvir a voz potente, dramática e cheia de suspense da narração de um Jorge Cury, da Rádio Globo do Rio de Janeiro. Um gol de Zico, pra mim, nessa época de um Flamengo densamente artístico(fins de 70 e todos os anos 80), nunca era apenas um gol de Zico: era também um gol de Jorge Cury, prolongado poeticamente nas vozes de um Waldir Amaral, de um Doalcey Camargo, de um José Carlos Araújo. Explica-se, portanto, porque eu me sentia cada vez mais Fluminense ao ouvir os estalos azeitados da “máquina tricolor” na voz de tão extraordinários poetas do rádio.
E azeitados eram também os seus bordões pelos quais se distinguiam os diferentes e inconfundíveis estilos “métricos” de cada um. Uma vinheta sonora musicalmente chamava: “Waldir Amaral!”. – “Deixa comigo, que eu deixo com o Galinho de Quintino, que adentra a área perigosa e chuta: goool de Zico. Indivíduo competente essse Zico!”, ele respondia. Ou, nos mesmos termos: “José Carlos Araújo! – “Voltei, garotinho. Lá vai o Flusão do Chico Buarque de Holanda pelas quebradas da direita, Rivelino troca figurinhas com Doval, recebe na frente, estica o elástico para cima de Carpeggiani e chuta uma bomba: gooolão, gooolão, gooolão!”. E assim vai.
Entre os paraibanos, eu me deliciava com a imagética inventiva de Marcos Aurélio que, na Rádio Tabajara de minha época de torcedor interiorano, abria a jornada esportiva assim: “Olhe para o seu rádio e veja um campo de futebol! Abrem-se as cortinas e começa a história de Botafogo e Treze na Beleza do Cristo!”. Ou com a sobriedade e ética inquebrantáveis de um Eudes Moacir Toscano. Ainda hoje me delicio com a velocidade coerente e contemporânea de um Jorge Silva, ou com a vibração ponderada de um João Camurça, que ao narrar um gol assim o conclui: “Pode vibrar!”.
Pois, nobilíssimo torcedor que escuta rádio, esses homens são ou não são indivíduos que enxergam semente germinar e engolem céu; espécies de vasadouros para contradições; Sabiás com trevas; sujeitos abertos aos desentendimentos como um Rosto? São sim, e porque são poetas, os poetas da latinha, rendo-lhes aqui minha homenagem nesse contexto de aniversário da sexagenária Rádio Tabajara da Paraíba.
Foto de Ed Viggiani

Meu reino por um cavalo

Caro internauta, como estas são crônicas escritas há tempos numa coluna semanal do jornal A UNIÃO, de João Pessoa, e reunidas num livro inédito sobre futebol que só agora dou a conhecer parcialmente neste blog, o texto abaixo foi escrito por ocasião das Olimpíadas de Sydney, Astrália, mas observem como está atualíssimo graças ao descaso oficial com as políticas públicas para o esporte no Brasil. Boa leitura!


Meus caros leitores, concluo aqui a série de três crônicas sobre as Olimpíadas de Sydney, encerradas domingo passado. É um arremate necessário, vez que não poderá faltar ao conjunto o balanço geral desses jogos monumentais da humanidade, mas que, para nós brasileiros, não foram tão monumentais assim. E o faço aqui mais como o dever de casa do cronista do que como o exercício prazeroso de um escritor autêntico. Para tanto, enfastiado que fiquei pela “decepção do ouro” – aliás, como todo brasileiro que se preze -, resolvi ceder aqui a pena a outrem, num exercício, digamos, de literatura comparada. Assim foi que, reunindo numa leitura só as impressões de uma reportagem interpretativa (dos repórteres Marco Rocha e Marcelo Sakate) e um conto-fábula (a mim enviado pelo colega William Costa), acredito ter chegado a melhor síntese do que foram para nós brasileiros as Olimpíadas de Sydney. Eis aí os dois textos que, adaptados e superpostos (um realística e outro ironicamente), resumem a nossa participação nos jogos:
“Era uma vez uma Olimpíada em que o Brasil mudaria de classe social no mundo esportivo. Não rivalizaria com EUA, China e Rússia, mas surgiria como uma força emergente, seguindo os recentes exemplos de Espanha e Coréia do Sul, e abriria as portas para um dia desbancar Cuba do posto de segunda potência esportiva das Américas.
Motivado pelas 15 medalhas (três de ouro) das Olimpíadas de Atlanta-96, pelas cem (25 ouros) do Pan de Winnipeg, em 99, e pelo discurso triunfante do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, o Brasil investiu como nunca numa Olimpíada e fez milhões de torcedores ficarem acordados durante a madrugada de mais de duas semanas. Contadas as favas, o resultado final – seis medalhas de prata e seis de bronze – não é ruim, mas decepcionante.
Afinal, não só as marcas de Atlanta continuaram de pé como a busca do ouro, que era para ser alegre, tornou-se uma obsessão inalcançável. Nunca o Brasil foi tão prata. Nunca ganhou tantas medalhas sem nenhum louro, ou melhor: ouro.
E o Brasil, como faz a cada quatro anos, volta a se perguntar: como o país pode dar um salto em seu desempenho esportivo?
Para José Carlos Brunoro, executivo ligado à área de administração esportiva e diretor de esportes da Parmalat de 92 a 97, o imediatismo é o maior inimigo do Brasil na tentativa de se transformar em potência olímpica.
– Não temos programa olímpico, um planejamento de longo prazo. As confederações e os atletas deveriam estar mais integrados – diz Brunoro, reclamando dos investimentos feitos pelo COB para os Jogos de Sydney.
– É preciso mais dinheiro e acompanhar as aplicações das verbas. Os recursos são pequenos.
A economista Elena Landau afirma que o sucesso brasileiro em Winnipeg mascarou os problemas do esporte nacional.
– Depois do Pan-Americano, ninguém se deu ao trabalho de analisar o que aconteceu no Canadá, de pensar que os adversários em Sydney seriam muito mais fortes – analisa.
E o desempenho brasileiro em Sydney mostrou que os quatro anos da euforia provocada depois de Atlanta não passaram de ilusão, da vontade de ver o Brasil entre as potências já em 2000.
– Nada de estrutural foi feito de Atlanta para cá – diz o consultor Bebeto de Freitas, ex-gerente de esportes da Olympikus e ex-supervisor do Atlético Mineiro.
Na verdade, o montante recebido pelo COB para as Olimpíadas deste ano foi muito maior do que o recebido para Atlanta. Segundo a prestação de contas do COB, os investidores deram, durante a preparação para Atlanta, R$ 6,422 milhões. Agora, para Sydney, a quantia foi de R$ 23.607.816,00.
Mas dinheiro não compra lugares no pódio e essa deve ter sido uma lição aprendida pelos dirigentes brasileiros na Austrália. Além de acusar o COB de omissão e de gastar as verbas de forma errada, Elena Landau critica o Vasco por se aproveitar de atletas para divulgar a marca do clube. Há quem diga até que o excesso de medalhas de pratas e a escassez do ouro deveu-se justamente ao Vasco, clube acostumado a ser vice em tudo.
– O que é melhor, gastar uma fortuna em festas de marketing como o COB fez ou defender os direitos de uma atleta? O que aconteceu com Daniele Hypólito foi imperdoável. Ela foi prejudicada pelo erro na regulagem do cavalo sem que ninguém a defendesse – ressalta, criticando a filosofia empregada pelo Vasco.
– O que houve com o Brasil foi bom porque serviu para desmascarar uma política que não forma atletas, mas se aproveita deles.
Segundo Bebeto de Freitas, o que falta ao Brasil é uma política de massificação. Para ele, enquanto isso não acontecer, o sonho olímpico nunca se realizará:
– Para Atenas, as autoridades podem intensificar a elitização, ou seja, trabalhar os atletas que já estão bem. É possível que os resultados melhorem, mas logo depois vem o passo para trás porque essa política não é consistente. O esporte no Brasil é elitista e estatal. Não temos 50 jogadores de vôlei de alto nível, muito pouco para um país deste tamanho.
O professor Manoel Tubino, que uma semana antes do início dos Jogos de Sydney participou do Congresso Olímpico, em Brisbane, concorda com Bebeto de Freitas, mas defende também o uso da psicologia aplicada:
– Mas não é isso o que fizeram, de mandar que os atletas andassem sobre brasas. É preciso trabalhar a motivação, controlar a ansiedade.
Os erros apontados são muitos, mas, depois do rendimento abaixo do esperado, Elena Landau isenta os atletas brasileiros:
–É preciso exaltar o que esses abnegados fizeram. As conquistas foram puro esforço pessoal.
***
“O rei Ricardo III estava se preparando para a maior batalha de sua vida. Um exército liderado por Henrique, Conde de Richmond, marchava contra o seu. A disputa determinaria o novo monarca da Inglaterra.
Na manhã da batalha, Ricardo mandou um cavalariço para verificar se seu cavalo preferido estava pronto.
– Ferrem-no logo – disse ao ferreiro. – O rei quer seguir em sua montaria à frente dos soldados.
– Terás que esperar – respondeu o ferreiro. – Há dias que estou ferrando todos os cavalos do exército real e agora preciso ir buscar mais ferraduras.
– Não posso esperar – gritou o cavalariço, impacientando-se. – Os inimigos do rei estão avançando neste exato momento e precisamos ir ao seu encontro no campo. Faze o que puderes agora com o material que dispões.
O ferreiro, então, voltou todos os seus esforços para aquela empreitada. A partir de uma barra de ferro, providenciou quatro ferraduras. Malhou-as o quanto pôde até dar-lhes formas adequadas. Começou a pregá-las nas patas do cavalo. Mas depois de colocar as três primeiras, descobriu que faltavam-lhe pregos para a quarta.
– Preciso de mais um ou dois pregos – disse ele, - e vai levar tempo para confeccioná- los no malho.
– Eu disse que não posso esperar – falou, impacientemente, o cavalariço. – Já se ouvem as trombetas. Não podes usar o material que tens?
– Posso colocar a ferradura, mas não ficará tão firme quanto as outras.
– Ele cairá? – perguntou o cavalariço.
– Provavelmente não – retrucou o ferreiro, - mas não posso garantir.
– Bem, usa os pregos que tens – gritou o cavalariço. – E anda logo, senão o rei Ricardo se zangará com nós dois.
Os exércitos se confrontaram e Ricardo participava ativamente, no coração da batalha. Tocava a montaria, cruzando o campo de um lado para outro, instigando os homens e combatendo os inimigos. “Avante! Avante!”, bradava ele, incitando os soldados contra as linhas de Henrique.
Lá longe, na retaguarda do campo, avistou alguns de seus homens batendo em retirada. Se os outros os vissem, também iriam fugir da batalha. Então, Ricardo meteu as esporas na montaria e partiu a galope na direção da linha desfeita, conclamando os soldados de volta à luta.
Mal cobria metade da distância quando o cavalo perdeu uma das ferraduras. O animal perdeu o equilíbrio e caiu, e Ricardo foi jogado ao chão.
Antes que o rei pudesse agarrar de novo as rédeas, o cavalo assustado levantou-se e saiu em disparada. Ricardo olhou em torno de si. Viu seus homens dando meia volta e fugindo, e os soldados de Henrique fechando o cerco ao redor. Brandiu a espada no ar e gritou:
– Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!
Mas não havia nenhum por perto. Seu exército estava destroçado e os soldados ocupavam-se em salvar a própria pele. Logo depois, as tropas de Henrique dominavam Ricardo, encerrando a batalha.
E desde então, as pessoas dizem:

Por falta de um prego, perdeu-se uma ferradura,
Por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo,
Por falta de um cavalo, perdeu-se uma batalha,
Por falta de uma batalha, perdeu-se um reino,
E tudo isso por falta de um prego na ferradura!

(De O livro das virtudes, de William J. Bennett, no capítulo “Responsabilidade”)
Foto de Antônio Gaudério

Amor e sexo para a Seleção


“Uma figura muito humilde e possuidora de uma simpatia inigualável era o treinador holandês Robert Rack, radicado há vinte e cinco anos no Brasil. Ele tinha um costume fantástico que era o de premiar seus pupilos, os jogadores que comandava, quando estes venciam os adversários. Quando isto acontecia, a cada vitória do clube que dirigia, Robert Rack oferecia como prêmio pelo sucesso dos seus jogadores um presente inusitado: um beijo na sua bela mulher. De um em um, sucediam-se os beijos na bonita esposa, sendo que os jogadores mais espertos entravam na fila indiana diversas vezes só para beijar outra vez, receber outra vez, o valioso “bicho” ofertado pelo generoso treinador”.
“(...) Havia um comissário de polícia que lia muito X-9, muito gibi. Para tudo o homem fazia o comentário erudito: – “Freud explicaria isso!”. Se um cachorro era atropelado, se uma gata gemia um pouco mais alto no telhado, se uma galinha pulava a cerca do vizinho, ele dizia: – “Freud explicaria isso!”.
Caros leitores, começo o nosso encontro dos domingos com este pequeno intróito de duas historinhas insólitas e um pouco comum ao universo do futebol. Acrescentando que ambas foram oportunisticamente compiladas de irmãos de ofício (os cronistas Manoel Luis Melo e Nelson Rodrigues), assim o faço por dois motivos que, no fundo, resumem-se num só: porque o Brasil, nesta terça-feira que passou, jogou com o Chile e porque o Brasil perdeu para o Chile em mais uma derrota melancólica da campanha pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002.
Ora, mas o que estas duas historinhas acima têm a ver com a derrota da Seleção Brasileira para os chilenos?, deve está se perguntando, atônito, o torcedor. Elas tem a ver sim, respondo eu. Pelo menos têm muito mais a ver do que as desculpas esfarrapadas do lateral do escrete canarinho, Roberto Carlos. Quando indagado pelos motivos da derrota por três a zero para a seleção chilena, o nosso Roberto Carlos, acompanhado da parca diplomacia que aprendeu em gramados europeus, sapecou com a cara mais lavada do mundo: – “Nós jogamos melhor do que eles. Apenas eles fizeram os gols que nós não fizemos!”, explicou.
Observem a síntese cínica da explicação de Roberto Carlos. Por princípio, ela resume tudo. Porém não explica nada. E é aí que entra a utilidade das duas historinhas alinhavadas acima. A primeira trata da fonte da verdadeira explicação para a derrota do Brasil perante o Chile; e a segunda a fundamenta. É que para qualquer torcedor - os mais incautos, diria eu - o Brasil perdeu porque não só jogou mal como não soube fazer os gols necessários ao empate (ou mesmo à vitória) quando teve várias oportunidades para isso.
Pois acreditem, torcedores incautos como eu! A minha secretária Amélia Cassandra, que é expert em futebol e que já foi apresentada a vocês em crônica anterior, me desconcertou quando apresentou um motivo, digamos, oculto aos olhos da arquibancada, para a derrota do Brasil: – “Aos olhos da arquibancada – compreendamos sua lógica argumentativa – o selecionado de Wanderley Luxemburgo foi derrotado por um motivo muito simples: o goleiro (leia-se Dida) não pegou as três bolas isoladas que lhe foram chutadas e o ataque não converteu em gol as inúmeras chances que teve. Conclusão: com um goleiro que não evita e um ataque que não faz gols, um time só pode conseguir um único resultado matemático numa partida : a derrota fria e seca, como são os próprios números”.
E Cassandra arrematou, com sua explicação um tanto psicológica: – “Logo, seu Edônio, o Brasil não perdeu por causa disso. A Seleção Brasileira perdeu o jogo por causa de sexo. Ou melhor, por falta de amor que, lógico, inclui o sexo. Ou seja, falta amor e sexo ao time de Luxemburgo, o que tiveram de sobra os chilenos”.
Estupefato com as conjecturas de Cassandra, fui dar uma lida nos jornais brasileiros e chilenos sobre o contexto que envolvia esta partida e entendi tudo. Por isso, para dar razão a ela, para não expor seu raciocínio ao domínio do ridículo, trouxe em seu apoio as duas historinhas do início desta crônica. Como já disse, a primeira fala da importância do amor – portanto, do sexo - no mundo do futebol e a segunda trata de evidenciar, para o leitor, o maior teórico do tema neste século, o psicanalista austríaco Sigmund Freud. É que só Cassandra e Freud explicariam com tal complexidade esta derrota do Brasil para o Chile.
Vejamos, portanto, em que consiste o cerne dessa complexidade. Dessa linha de argumentação que foi buscar fora do futebol, longe das explicações táticas e técnicas do universo futebolístico, um arremedo lógico para mais um fiasco brasileiro no torneio das eliminatórias rumo ao mundial do Japão e da Coréia.
Quando chegou em Santiago, todos soubemos, o selecionado brasileiro encontrou o time chileno escondido num hotel da capital. A princípio, argumentou-se que o seu treinador, Nelson Acosta, aproveitava o refúgio seguro para treinar jogadas ensaiadas e por em prática um esquema tático inovador para fazer frente ao Brasil, já que a partida era de vida ou morte para a seleção dos Andes. Só depois é que descobriu-se que o motivo do regime de portas fechadas era outro: a seleção chilena estava brigada com a imprensa do país e, por conseguinte, com a sua torcida por causa de maus resultados. Isso explicaria o fato de o jogo ser decisivo para eles.
Acontece, entretanto, que há uma nuance nesta história: o motivo dos chilenos estarem sem falar com a imprensa do país. Semanas antes do jogo contra o Brasil, jornais chilenos haviam publicado fotos dos jogadores saindo com mulheres que não eram nem namoradas nem suas esposas. Em represália, os atacantes do time, Marcelo Salas e Ivan Zamorano, lideraram um movimento de boicote à imprensa: ninguém falaria com nenhum jornalista até que uma vitória frente ao Brasil lhes deixassem de novo nos braços de sua torcida. Então, isso acontecendo, a imprensa chilena não só faria vistas grossas como “perdoaria” ou até “defenderia” o amor extra dos atletas da sua seleção.
“– Não precisa dizer porque Salas e Zamorano jogaram tanto na terça-feira”, me explicava Cassandra, ilustrando, com sutilíssima picardia, o fato da dupla de ataque chilena ter-se utilizado da garra e de um apuro técnico inigualáveis para dar um verdadeiro baile na defesa brasileira, além de ter conseguido (cada um fez um gol) marcar dois dos três tentos da vitória do Chile sobre o Brasil.
Eu, de minha parte, passei então a compreender melhor – com essa explicação de Cassandra - porque o time do treinador holandês Robert Jack do início dessa história passou a ganhar todas as partidas que disputava sob o seu comando. Passei também a entender porque o nosso comissário de polícia, que lia muito gibi, não estranhava quando uma gata gemia um pouco mais alto no telhado ou se uma galinha pulava a cerca do vizinho.
Quanto à seleção de Wanderley Luxemburgo, consta que anda muito solitária e sem o carinho da torcida, o que, por conseqüência, inclui a falta do assédio e aconchego das mulheres, torcedoras ou não.
Sim! E por que o time anda perdendo tão vergonhosamente nesta eliminatórias?
Repita-se, junto com o nosso comissário de polícia: – “Só Freud explicaria isso!”.
Foto de Luis Humberto

O humor no futebol


Existe uma faculdade humana que percebemos estar presente em todas as nossas atividades diárias sejam elas profissionais, mundanas ou amadoras. Uns mais outros menos, sabemos que cada um de nós carrega dentro de si esta disposição de espírito, esta graça, este dom para a veia cômica. Melhor definindo: esta capacidade de perceber, apreciar, realizar ou expressar o que é cômico ou divertido. Em palavras mais exatas: aquilo que, morrendo de rir, denominamos de humor.
O humor é, por assim dizer, uma das características que define e encerra a alma humana. Há quem diga, para a gargalhada das hienas, que é próprio do homem, exclusivo do homem, apenas do homem, a prerrogativa de sorrir. E mais: que o homem é a única espécie viva na natureza que tem a capacidade de rir de si próprio. Em suma: sem muita conjectura filosófica, poderíamos ver nisso, quem sabe - e por que não? -, o nosso único e distintivo traço de superioridade sobre os outros animais.
Afinal, é o senso de humor que nos permite refletir sobre nossas ações pretéritas. Ao fazer-nos rir, é ele o dispositivo que permanentemente nos joga literalmente na cara a nossa parca condição humana, a face ridícula das nossas contingências existenciais e históricas. E como o humor está presente em tudo o que é humano, trago-o para este domingo para também o inserir no mundo do futebol. Sim, porque por mais dramático e passional que seja o universo futebolístico, não lhe escapa a face cômica, o seu lado de farsa picaresca, seu viés de tragicomédia, enfim, o humor que lhe é peculiar. Assim, tantas e tamanhas são as histórias engraçadas do mundo do futebol!
Digo isso a propósito de ter me chegado às mãos um livrinho espetacular sobre histórias engraças de futebol. Trata-se do Vocabulário Popular e Humor do Futebol, de Manoel Luis Melo, o popular Luisinho Bola Cheia, lançado este ano pelo selo da Editora Universitária da UFPB, através da coleção Autor Associado. Luisinho Bola Cheia, natural de Campina Grande, é uma figura que fez carreira no futebol nordestino primeiro como jogador, depois como preparador físico e finalmente como técnico de vários clubes da região. Sua carreira é vasta e cheia de episódios engraçados. Além do ofício de atleta, se intitula também escritor futebolístico. Foi talvez o primeiro escritor do mundo a fazer verdadeiramente o encontro da literatura com o futebol quando promoveu, em pleno gramado do Maracanã, o lançamento de seu primeiro livro em meio a uma partida entre América e Botafogo, ambos clubes do Rio de Janeiro.
O livro do nosso Luisinho Bola Cheia é, portanto, uma exemplar mirada no humor que envolve o mundo do futebol. E como isso aqui é uma coluna de crônicas de futebol e não de crítica de literatura, resolvi partilhar, com o leitor que nos acompanha aos domingos - sempre que houver oportunidade - algumas das saborosas estórias contadas pelo autor em uma das suas mais brilhantes jogadas.
O artilheiro fictício - Havia, na cidade de Juazeiro, Estado do Ceará, um treinador famoso chamado Praxedes. Certa feita ele treinava o time do Icasa daquela cidade. Numa de suas preleções, o Praxedes chama o centroavante do time, Zé Roberto, e faz a seguinte preleção: – “ Olha, Roberto. O nosso goleiro sai com o lateral Catolé; então Catolé mete para o médio volante, Dote; este passa para Bob Xaxá, que faz o cruzamento para a sua cabeça e você faz um a zero”.
“– Na jogada seguinte, Catolé lança pra Zinho e este, de primeira, dá o passe perfeito para o Zé Roberto que amplia a contagem para dois a zero, entenderam?”
O restante do elenco do time apenas escutava a preleção otimista do treinador Praxedes. E ele continuava: “– No final do primeiro tempo, o nosso ataque engana o adversário e sai com esta jogada ensaiada: o nosso goleiro arremessa com as mãos para o Bob Xaxá, que mata a bola no peito e, cruzando de imediato para a área, Zé Roberto vem chegando e de peixinho faz três a zero pra gente, só no primeiro tempo”.
De repente, sem que ninguém esperasse, Praxedes cai na real e encerra a preleção da seguinte maneira: “ – Rapaziada, vamos rezar para Deus nos ajudar a conseguir pelo menos um honroso empate pois esse centroavante galado não faz gol em time nenhum!...”
Outras futebolísticas – Sabará, um conhecido pontinha que jogou no Goiás, leva uma porrada do lateral adversário e desmaia. Às pressas, é levado para o Hospital de Pronto Socorro onde o médico de plantão grita nervosamente: “– Urgente! Leva para o balão de oxigênio!”
O atleta é levado para a mesa de operação. Quando os médicos vão colocar a máscara de oxigênio na boca de Sabará, ele se reanima e, pensando que estava sendo entrevistado, sai com esta: “ – Ouvintes da Rádio Brasil Central, Boa Noite!!!”

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Ceará 9 x 0 Calouros do Ar. O placar diz tudo. Mas, o presidente do time da Aeronáutica bastante triste senta ao lado de Zé Preguinho, um dos astros do time da base aérea, e diz: “– Zé Preguinho, rapaz, 9 a 0! O nosso time é muito ruim!” E o Zé Preguinho, pra consolar o presidente do calouros do Ar responde: “ – Que nada chefe, ruim é quem perde pra gente!”.
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Essa foi contada pelo folclórico e hoje comentarista da TV Itapuan, também ex jogador e treinador do Bahia, o conhecidíssimo Boquinha. Certa vez ele estava fazendo um treinamento coletivo com os jogadores do “Tricolor de aço” quando, aos berros, ordenou: “– Sai pra receber, Gato Preto!”. Como o pagamento do Bahia estava atrasado há três meses, o jogador Gato Preto ao invés de de “sair” (se deslocar para receber a bola lançada por um colega), deu um pique bem rápido e foi direto para a tesouraria do clube “receber os seus salários atrasados”...
Foto de Tiago Santana

Zé Lins, futebol, imprensa e mesmice


Caro leitor, há duas semanas ocupei este nosso espaço dos domingos para conversar com vocês a respeito da presença do humor no futebol. Eis que no domingo que passou abro o jornal nesta nossa página e, um pouco acima desta coluna, dou com um artigo do jornalista Gustavo Sette sobre um assunto assaz preocupante: o desleixo que toma conta da imprensa esportiva brasileira quando esta exerce a sua função de perguntar, inquirir, entrevistar os ases da bola para que eles expliquem aos torcedores as glórias, as derrotas, os dramas, enfim, as vicissitudes do mundo futebolístico.
Constatava o colega jornalista, entre decepcionado e irônico, que desde que existem microfones, as perguntas, dos jornalistas, e as respostas, dos jogadores, são sempre as mesmas. Ou seja, em nome de uma propalada necessidade – dizem os editores – “de fazer um jornalismo popular” – caso contrário não vende -, os jornalistas nivelam o discurso do jornalismo esportivo por baixo. E a estratégia resume-se na mais cândida e burra fórmula: fazer sempre as mesmas perguntas para obter sempre as mesmas respostas.
Estratégia essa, diga-se de passagem, já flagrada por um desportista não tão burro assim: o piloto brasileiro bicampeão mundial de fórmula um, Nelson Piquet, apontado, no artigo, como um dos raros homens de esporte a tentar fugir dessa mesmice da imprensa esportiva, través de suas respostas sinceras, inteligentes, curtas e rasteiras: “ – As respostas são sempre as mesmas porque as perguntas também o são”, resumiu assim o problema o nosso Nelson Piquet.
Discussões teóricas à parte, trouxe novamente à baila a questão porque ao ler o já citado artigo me veio imediatamente à memória a lembrança do escritor paraibano, José Lins do Rego. O genial escritor Zé Lins, o também cronista esportivo José Lins do Rego que, ao contrário da maioria dos seus pares intelectuais que não gostam, desconfiam, ou não dão bola para o futebol, fez-se íntimo deste esporte que é a paixão do seu povo.
Vou inserir, portanto, Zé Lins aqui, nesta nossa conversa para, através de um dos seus personagens mais idealistas e fortes, o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo do romance Fogo Morto, advogar que esta nossa propensão para o fácil, para o de sempre, em suma, para o mesmo, tem suas raízes mais fundas incrustadas no que poderia se chamar de “síndrome de má-formação cultural atrasada”.
Numa célebre passagem do romance Fogo Morto, o capitão Vitorino tenta explicar ao seu compadre, Mestre Zé Amaro, porque é um homem de opinião, de posições firmes, que se orienta de moto próprio, e assim se expressa:
“– Sou homem de opinião, meu compadre. Lá no Santa Rosa, o Juca me falou: “Primo Vitorino, por que você forma na oposição?”. “Por que? Ora, seu Juca, o senhor alisou os bancos da academia e tem pergunta de Manoel Ferreira. Vou às urnas com o coronel para acabar com os governos podres”.
Explicando que o Manoel Ferreira da sua explicação é, no romance, um advogadinho vendido e burro, que não acrescenta nada à profissão, portanto só faz perguntas idiotas, quero pugnar aqui que essa mesmice que grassa na nossa atividade profissional, com colegas jornalistas que freqüentaram os bancos da academia mas que só fazem perguntas de “Manoel Ferreira” tem a sua origem de muito longe.
É que a elite brasileira da qual faz parte o primo Juca da resposta do capitão Vitorino foi formada, também no campo das atividades profissionais, com uma mentalidade colonial, subserviente, que tinha e tem no modelo europeu – seu preceptor cultural – um exemplo de superioridade a ser seguido cegamente. Com isso, não conseguindo superar o modelo assumido como “superior” ao qual copia sem questionar e não podendo andar sozinha - porque carrega o peso das trilhas já abertas pelos outros – prefere passar aos seus pupilos (no caso, os nossos jornalistas saídos das universidades) as lições do mais fácil, do parco feijão-com-arroz das coberturas esportivas.
E a culpa não é dos nossos jogadores (quase todos vindos das camadas mais baixas do estrato social e que não tiveram oportunidade de se educar convenientemente), que não sabem responder. A culpa é da nossa elite cultural que não sabe questionar, portanto, ensinar, nem a si mesmo. O resultado de tudo isso é um quadro de visão, de leitura da realidade - a sua própria realidade profissional, para não irmos muito longe – que seria cômico se não fosse trágico. Confira, a propósito, algumas respostas risíveis dadas a perguntas mais risíveis ainda, presume-se, da nossa imprensa esportiva e dos nossos jogadores de futebol:

"Quando o jogo esta a mil, minha naftalina sobe."(Jardel, jogador de futebol, ex-atacante do Vasco, Gremio e da Selecao Brasileira).

"Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu..."
(Claudiomiro, ex-meia do Internacional-RS, ao chegar em Belém
do Pará para disputar uma partida contra o Payssandu pelo Brasileirão de 72)."Nem que eu tivesse dois pulmões eu alcançava essa bola."
(Bradock, amigo de Romario, reclamando de um passe longo). "A partir de agora meu coração tem uma cor só: rubro-negro"
(Fabão, zagueiro baiano, ao chegar para jogar no Flamengo).

"No México é que é bom. Lá a gente recebe semanalmente de quinze em quinze dias."
(Ferreira, jogador paraibano, ex-ponta-esquerda do Santos de São Paulo)."Clássico é clássico e vice-versa..."
(Jardel, ex-atacante do Vasco, Gremio e da Selecao Brasileira).
"O meu clube estava a beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente."
(João Pinto, jogador de futebol do Benfica de Portugal).
"A moto eu vou vender e o rádio eu vou dar pra minha tia."
(Josimar, ex-lateral direito do Botafogo, ao responder a um repórter o que iria fazer com oMotorádio que ganhou como melhor jogador da partida).
"Jogador tem que ser completo como o PATO, que é um bicho aquático e gramático."
(Vicente Matheus, eterno presidente do Corinthians).
"O difícil como vocês sabem, não é facil."
(Outra de Vicente Matheus)

"Eu disconcordo com o que você disse."
(Vladimir, ex-meia do Corinthians, em uma entrevista a Rádio Record).
Foto de Ed Viggiani