O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Amor e sexo para a Seleção


“Uma figura muito humilde e possuidora de uma simpatia inigualável era o treinador holandês Robert Rack, radicado há vinte e cinco anos no Brasil. Ele tinha um costume fantástico que era o de premiar seus pupilos, os jogadores que comandava, quando estes venciam os adversários. Quando isto acontecia, a cada vitória do clube que dirigia, Robert Rack oferecia como prêmio pelo sucesso dos seus jogadores um presente inusitado: um beijo na sua bela mulher. De um em um, sucediam-se os beijos na bonita esposa, sendo que os jogadores mais espertos entravam na fila indiana diversas vezes só para beijar outra vez, receber outra vez, o valioso “bicho” ofertado pelo generoso treinador”.
“(...) Havia um comissário de polícia que lia muito X-9, muito gibi. Para tudo o homem fazia o comentário erudito: – “Freud explicaria isso!”. Se um cachorro era atropelado, se uma gata gemia um pouco mais alto no telhado, se uma galinha pulava a cerca do vizinho, ele dizia: – “Freud explicaria isso!”.
Caros leitores, começo o nosso encontro dos domingos com este pequeno intróito de duas historinhas insólitas e um pouco comum ao universo do futebol. Acrescentando que ambas foram oportunisticamente compiladas de irmãos de ofício (os cronistas Manoel Luis Melo e Nelson Rodrigues), assim o faço por dois motivos que, no fundo, resumem-se num só: porque o Brasil, nesta terça-feira que passou, jogou com o Chile e porque o Brasil perdeu para o Chile em mais uma derrota melancólica da campanha pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002.
Ora, mas o que estas duas historinhas acima têm a ver com a derrota da Seleção Brasileira para os chilenos?, deve está se perguntando, atônito, o torcedor. Elas tem a ver sim, respondo eu. Pelo menos têm muito mais a ver do que as desculpas esfarrapadas do lateral do escrete canarinho, Roberto Carlos. Quando indagado pelos motivos da derrota por três a zero para a seleção chilena, o nosso Roberto Carlos, acompanhado da parca diplomacia que aprendeu em gramados europeus, sapecou com a cara mais lavada do mundo: – “Nós jogamos melhor do que eles. Apenas eles fizeram os gols que nós não fizemos!”, explicou.
Observem a síntese cínica da explicação de Roberto Carlos. Por princípio, ela resume tudo. Porém não explica nada. E é aí que entra a utilidade das duas historinhas alinhavadas acima. A primeira trata da fonte da verdadeira explicação para a derrota do Brasil perante o Chile; e a segunda a fundamenta. É que para qualquer torcedor - os mais incautos, diria eu - o Brasil perdeu porque não só jogou mal como não soube fazer os gols necessários ao empate (ou mesmo à vitória) quando teve várias oportunidades para isso.
Pois acreditem, torcedores incautos como eu! A minha secretária Amélia Cassandra, que é expert em futebol e que já foi apresentada a vocês em crônica anterior, me desconcertou quando apresentou um motivo, digamos, oculto aos olhos da arquibancada, para a derrota do Brasil: – “Aos olhos da arquibancada – compreendamos sua lógica argumentativa – o selecionado de Wanderley Luxemburgo foi derrotado por um motivo muito simples: o goleiro (leia-se Dida) não pegou as três bolas isoladas que lhe foram chutadas e o ataque não converteu em gol as inúmeras chances que teve. Conclusão: com um goleiro que não evita e um ataque que não faz gols, um time só pode conseguir um único resultado matemático numa partida : a derrota fria e seca, como são os próprios números”.
E Cassandra arrematou, com sua explicação um tanto psicológica: – “Logo, seu Edônio, o Brasil não perdeu por causa disso. A Seleção Brasileira perdeu o jogo por causa de sexo. Ou melhor, por falta de amor que, lógico, inclui o sexo. Ou seja, falta amor e sexo ao time de Luxemburgo, o que tiveram de sobra os chilenos”.
Estupefato com as conjecturas de Cassandra, fui dar uma lida nos jornais brasileiros e chilenos sobre o contexto que envolvia esta partida e entendi tudo. Por isso, para dar razão a ela, para não expor seu raciocínio ao domínio do ridículo, trouxe em seu apoio as duas historinhas do início desta crônica. Como já disse, a primeira fala da importância do amor – portanto, do sexo - no mundo do futebol e a segunda trata de evidenciar, para o leitor, o maior teórico do tema neste século, o psicanalista austríaco Sigmund Freud. É que só Cassandra e Freud explicariam com tal complexidade esta derrota do Brasil para o Chile.
Vejamos, portanto, em que consiste o cerne dessa complexidade. Dessa linha de argumentação que foi buscar fora do futebol, longe das explicações táticas e técnicas do universo futebolístico, um arremedo lógico para mais um fiasco brasileiro no torneio das eliminatórias rumo ao mundial do Japão e da Coréia.
Quando chegou em Santiago, todos soubemos, o selecionado brasileiro encontrou o time chileno escondido num hotel da capital. A princípio, argumentou-se que o seu treinador, Nelson Acosta, aproveitava o refúgio seguro para treinar jogadas ensaiadas e por em prática um esquema tático inovador para fazer frente ao Brasil, já que a partida era de vida ou morte para a seleção dos Andes. Só depois é que descobriu-se que o motivo do regime de portas fechadas era outro: a seleção chilena estava brigada com a imprensa do país e, por conseguinte, com a sua torcida por causa de maus resultados. Isso explicaria o fato de o jogo ser decisivo para eles.
Acontece, entretanto, que há uma nuance nesta história: o motivo dos chilenos estarem sem falar com a imprensa do país. Semanas antes do jogo contra o Brasil, jornais chilenos haviam publicado fotos dos jogadores saindo com mulheres que não eram nem namoradas nem suas esposas. Em represália, os atacantes do time, Marcelo Salas e Ivan Zamorano, lideraram um movimento de boicote à imprensa: ninguém falaria com nenhum jornalista até que uma vitória frente ao Brasil lhes deixassem de novo nos braços de sua torcida. Então, isso acontecendo, a imprensa chilena não só faria vistas grossas como “perdoaria” ou até “defenderia” o amor extra dos atletas da sua seleção.
“– Não precisa dizer porque Salas e Zamorano jogaram tanto na terça-feira”, me explicava Cassandra, ilustrando, com sutilíssima picardia, o fato da dupla de ataque chilena ter-se utilizado da garra e de um apuro técnico inigualáveis para dar um verdadeiro baile na defesa brasileira, além de ter conseguido (cada um fez um gol) marcar dois dos três tentos da vitória do Chile sobre o Brasil.
Eu, de minha parte, passei então a compreender melhor – com essa explicação de Cassandra - porque o time do treinador holandês Robert Jack do início dessa história passou a ganhar todas as partidas que disputava sob o seu comando. Passei também a entender porque o nosso comissário de polícia, que lia muito gibi, não estranhava quando uma gata gemia um pouco mais alto no telhado ou se uma galinha pulava a cerca do vizinho.
Quanto à seleção de Wanderley Luxemburgo, consta que anda muito solitária e sem o carinho da torcida, o que, por conseqüência, inclui a falta do assédio e aconchego das mulheres, torcedoras ou não.
Sim! E por que o time anda perdendo tão vergonhosamente nesta eliminatórias?
Repita-se, junto com o nosso comissário de polícia: – “Só Freud explicaria isso!”.
Foto de Luis Humberto

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