As rivalidades e os
desafios no futebol
Na semana passada, no contexto dos dois grandes clássicos do futebol
paraibano - o Botauto, na capital, e o Treze e Campinense, em Campina Grande -
um fato extracampo movimentou os ânimos dos torcedores desses quatro clubes,
além da óbvia motivação para assistirem a esses dois jogos nos estádios e
apoiarem os jogadores dessas duas equipes em direção à vitória sobre o
adversário: o desafio, feito pelo presidente do Botafogo, de João Pessoa, aos
dirigentes dos clubes de Campina Grande, dando conta de que o clássico da
capital teria mais público do que o da Rainha da Serra da Borborema, e o
pedido, feito pelo presidente do Campinense Clube, para que o seu confrade
trezeano aproveitasse o jogo para entregar as faixas de Campeão do Nordeste ao
time da Raposa da Serra.
Esses dois desafios, digamos assim, serviu para apimentar o clima dos
jogos e jogar lenha na fogueira das rivalidades entre essas equipes, além de
atualizar para nós todos, um ingrediente sem o qual o futebol não existiria nem
teria o fascínio que tem para os seus amantes ou praticantes. Refiro-me às
oposições que este esporte mobiliza e ritualiza e que tem a ver com as nossas
aspirações mais profundas em termos da necessidade que temos de nos diferenciarmos
uns dos outros, seja nas ações, seja nas nossas mais caras maneiras de nos
expressarmos em público.
O futebol - todo nós sabemos - é um espetáculo público e é através dele (entre
outros meios) que expressamos o nosso mais ancestral espírito de competição
animal; aquele instinto básico, mas necessário que, no mundo exclusivamente
natural, faz com que sobrevivamos enquanto uma espécie dentre as demais. Uma
espécie que se diferencia das outras pelo poder que tem de pensar sobre si
mesma e de criar um mundo específico em sua volta - um mundo simbólico: o da
cultura - para atuar, desenvolver-se e sobreviver, enfim.
Se transportarmos isso para o mundo especificamente cultural, temos nos
esportes, no geral, e no futebol, em particular, um dos meios mais
interessantes de realizarmos na prática real e simbólica a nossa mútua
diferenciação enquanto seres individuais; enquanto seres coletivos e grupais e,
numa escala crescente, enquanto sociedades distintamente colocadas na geografia
multifacetada dos povos em existência constante.
Tudo isso para eu dizer que quando os dois presidentes dos clubes citados
acima fizeram os seus desafios futebolístico, eles, conscientes ou não, estavam
presentificando a rivalidade necessária para - assim como os seres - o futebol
existir e funcionar de fato. Resta lembrar que por mais maluco que possam
parecer esses desafios (e o do presidente do Botafogo, Nelson Lira, soou assim
porque ele com uma torcida só, a do Botafogo, ousou enfrentar duas: as do
Campinense e Treze, e venceu) eles têm eficácia contextual, uma vez que, em si
mesmo, já são a atualização de um desafio e rivalidade arquetípica ainda maior,
a do ontológico e bíblico embate de David contra Golias, simbolizando a luta
eterna e emblemática do fraco contra o forte. Luta essa que, conforme sabemos,
vai sempre estar presente nos campos de futebol.
Resta dizer também que quando o
presidente do Campinense, William Simões, desafiou o presidente do Treze,
Eduardo Medeiros, a enfaixar, com o reconhecimento simbólico do seu maior
rival, o grande feito da Raposa em ter-se sagrado a equipe campeã do Nordeste
(o melhor time da região este ano), ele agiu culturalmente da mesma forma que
Nelson Lira, ao expressar, por meio do mundo do futebol, a diferenciação que
todo ser quer para si ao comparar-se com o outro. Ou todo time quer para si ao
defrontar-se com o outro. Ou toda cidade quer pra si ao comparar-se com a
outra. Daí, que uma coisa é ser da capital, outra é ser do interior. Com as
belezas, grandezas e problemas que existam tanto para um lado quanto para o
outro.
VER TAMBÉM EM: http://diariopb.com.br/category/colunas/coisas-de-futebol/
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