O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Jogada de letra

Relação futebol e literatura em discussão na ABI

Marcelo Barreto do SporTV e Ruy Castro: tabelinha descontraída

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Ranking de desempenho histórico dos clubes brasileiros de futebol

Mais uma notícia da CBF
 que interessa aos paraibanos
(para o bem ou para o mal)

   A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou, nesta sexta-feira 11, o ranking dos clubes de futebol de todo o país. O Treze continua sendo o clube paraibano melhor posicionado. O Galo ocupa a 60ª posição com 271 pontos. Em seguida vem o Botafogo F. C de João Pessoa na 63ª colocação.

   O curioso no ranking da CBF é que o Campinense que até recentemente era o único representante da Paraíba na série B do Campeonato Brasileiro de Futebol, aparece apenas na 3ª colocação do Estado, ocupando a 80ª posição geral do ranking.
   Foi divulgado também o ranking das federações e a Federação Paraibana de Futebol (FPF) ocupa a 16ª colocação.

   Confira o ranking neste link: http://www.cbf.com.br/ranking/ranking2010.pdf

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Os campeões brasileiros segundo a CBF

Équiça é mesmo errado: para a CBF o Flamengo é PENTA

A Confederação Brasileira de Futebol publicou, em seu site oficial, a lista atualizada dos campeões brasileiros – já com a conquista flamenguista deste ano. Em 39 edições, apenas dois títulos de clubes nordestinos, o de 1987 conquistados pelo SPORT e do ano seguinte, vencido pelo BAHIA. O Vitória esteve perto, em 1993, quando perdeu na final para o Palmeiras.


OS  CAMPEÕES:

2009
Flamengo (Rio de Janeiro)

2008
 São Paulo (São Paulo)

2007
 São Paulo (São Paulo)

2006
São Paulo (São Paulo)

2005 Corinthians (São Paulo)

2004
Santos (São Paulo)

2003
Cruzeiro (Minas Gerais)

2002
Santos Futebol Clube (São Paulo)

2001
Atlético Paranaense (Paraná)

2000
 COPA JOÃO HAVELANGE: Vasco da Gama (Rio de Janeiro)

1999 Corinthians (São Paulo)

1998
Corinthians (São Paulo)

1997
Vasco da Gama (Rio de Janeiro)

        1996
Grêmio (Rio Grande do Sul)
1995 – Botafogo (Rio de Janeiro)

1994 – Palmeiras (São Paulo)

1993 – Palmeiras (São Paulo)

1992 – Flamengo (Rio de Janeiro)

1991 – São Paulo (São Paulo)

1990 – Corinthians (São Paulo)

1989 – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)

1988Bahia (Salvador)

1987 – COPA UNIÃO – Sport Recife (Pernambuco)

1986 – São Paulo (São Paulo)

1985 – Coritiba (Paraná)

1984 – Fluminense (Rio de Janeiro)

1983 – Flamengo (Rio de Janeiro)

1982 – Flamengo (Rio de Janeiro)

1981 – Grêmio (Rio Grande do Sul)

1980 – Flamengo (Rio de Janeiro)

1979 – Internacional (Rio Grande do Sul)

1978 – Guarani (Campinas)

1977 – São Paulo(São Paulo)

1976 – Internacional (Rio Grande do Sul)

1975 – Internacional (Rio Grande do Sul)

1974 – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)

1973 – Palmeiras (São Paulo)

1972 – Palmeiras (São Paulo)

1971 – Atlético Mineiro (Minas Gerais)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

FUTEBOL FEMININO NA PALESTINA

ORIENTE MÉDIO


A seleção feminina de futebol da Palestina recebeu o time da Jordânia em um estádio próximo a Jerusalém – e a primeira partida internacional disputada em casa pelas meninas palestinas se transformou em uma festa de liberação social e orgulho nacional. As mulheres compareceram nas arquibancadas. Cerca de 10 mil pessoas viram o jogo disputado nesta segunda-feira (26/10). A partida foi disputada no estádio Faisal Husseine. A disputa terminou em 2 a 2, mas o resultado foi menos importante do que o fato histórico: pela primeira vez a seleção feminina da Palestina jogou uma partida em seu país.





Veja o VÍDEO DO JOGO na coluna direita do Blog - na seção de futebol feminino!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A BOLA E A LETRA II



ESCRITORES E JOGADORES: AS EXPERIÊNCIAS DE CAMPO

No primeiro artigo que escrevi sobre este tema (a relação do futebol com a literatura), no qual nos propusemos realizar uma conversa sistemática sobre a questão – texto intitulado: A letra e a bola: futebol e literatura no Brasil -, apresentamos a idéia geral que a meu ver preside a interação entre essas duas formas de arte e de comunicação estética.
Dizíamos, a princípio (clique aqui para ler o texto), que neste particular, a relação entre os dois campos se dá em dois níveis principais. Um estrutural – a literatura apanharia o futebol enquanto matéria significante, tema do nosso primeiro ensaio -, e outro motivacional: o futebol entraria na literatura como uma extraordinária fonte de preocupações temáticas, com toda a sua gama (ou amálgama) de personagens, tipos humanos, situações, aporias existenciais constitutivas, vicissitudes potenciais que encena, desafios socioculturais que coloca a nossa frente; enfim, o futebol se apresentaria à literatura como uma espécie de espaço de representação em que a sua dimensão ficcional se realiza na prática vivencial enquanto um jogo.
Dizíamos também que essas duas formas de linguagem se constituem de elementos estruturais em comum: tanto num jogo de futebol como numa peça literária, por conseguinte, há sempre uma narração, e, portanto, um narrador ou vários narradores-autores em campo: os jogadores, os locutores esportivos, os repórteres de TV etc, pelo lado do futebol; e as figuras textuais de linguagem – um técnico, um juiz, um goleiro, um torcedor, um observador distanciado e onisciente, conforme o caso, enfim – pelo lado da literatura.


Dizíamos que também nos dois casos, há sempre um tempo a ser decorrido e que, portanto, a coisa se transforma num domínio em que o tempo precisa ser dominado, embora isso seja impossível técnica e conceitualmente falando. Falávamos ainda que se há sempre uma narração, existem personagens e, a partir deles, ações que se desenvolvem no tempo e no espaço; e que, por último, tudo isso forma um enredo em que se constituem uma partida de futebol em si, ou uma peça literária em particular, seja ela um conto, um romance ou um poema, gênero este de que demos um exemplo demonstrativo naquela oportunidade.


Vamos, portanto, desta feita, tratar aqui da manifestação prática destes aspectos todos da relação da literatura com o futebol. Isto é, tomarmos a partir da análise rápida de um gênero literário – o conto -, a questão no seu segundo desdobramento já apontado: o aproveitamento do futebol pela literatura no seu âmbito motivacional, na sua capacidade de haurir do rico universo do futebol a sua matéria temática de expressão.


E já que vamos tratar do âmbito motivacional, ou seja, dos aspectos do motivo ou do assunto, tomemos como exemplo demonstrativo o tema da motivação mesma, entendida esta como o ato ou o efeito de motivar, acepção tal que, oriunda do campo da psicologia, quer expressar a idéia de ter-se motivo para agir, fazer algo, empreender ações no tempo e no espaço, enfim, por obra da nossa força interior (o ânima para os gregos) fazer as coisas andarem. E isto, acrescento, valendo tanto para a vida na sua concepção geral quanto para o jogo de futebol, na sua configuração particular.


Pois bem! Escolhemos aqui dois contos de futebol que pode nos auxiliar no entendimento das questões acima propostas para a interação literatura e futebol. O primeiro chama-se “Novatos”, de autoria do escritor gaúcho Cláudio Lovato Filho. O outro intitula-se “Na boca do túnel”, do escritor carioca Sérgio Sant’ Anna. Ambos têm em comum o fato de serem narrativas ficcionais que têm como personagem-chave a figura do treinador de futebol e, por intermédio dele, expressarem uma reflexão refinada sobre o universo intrínseco do jogo de futebol, mas, também, a partir dele, abordarem a esfera extrínseca da vida no seu âmbito mais geral. Resumindo para simplificar: discutem, por intermédio da ficção literária, o jogo da vida e o jogo da bola.


Começaríamos dizendo que o conto de Cláudio Lovato Filho toma o tema da motivação por um dos seus aspectos correlatos: a influência do tempo sobre ela; ou dito de maneira mais genérica, a ação do tempo sobre todas as coisas; as físicas e as metafísicas; as materiais e as imateriais; todos os corpos e todos os espíritos, enfim. Só que o viés da abordagem - diretamente intrínseca ao universo do futebol -, foca o conflito dilemático entre a paciência de esperar para agir versus a urgência de realizar, e é aqui que flagramos, através da segura exposição de um narrador em terceira pessoa, as reflexões do velho treinador de futebol, Ary Santamaria, às voltas com uma questão atinente ao escopo do futebol, mas, também, a todo o universo como um todo, no qual habitamos e no qual só temos uma atitude geral a tomar enquanto nele vivemos: ou realizamos as coisas no seu devido tempo ou esperamos o tempo certo para realizá-las, coisa que nunca sabemos ao certo.
A questão que se coloca para o personagem em questão é a seguinte, nas palavras do próprio narrador da história:


“O velho treinador tinha jogadores demais que entravam muito bem durante a partida, mas que, quando colocados em campo desde o início, sumiam em pouco tempo, murchavam, tornavam-se menos do que medíocres. Eram prata-da-casa, promessas de craque, o clube apostava neles, a torcida também, mas ainda não estavam prontos. O legendário Ary Santamaría, treinador de muitas batalhas, sabia que só o tempo faria com que amadurecessem. Mas estava preocupado com as expectativas criadas em torno deles. O clube queria resultados imediatos”.

A partir desse problema prático, toda uma ampla reflexão sobre a vida no geral, refletida no jogo de futebol em particular, é acionada neste conto que realça o poder da experiência transfigurada literariamente na pessoa de um treinador de futebol, para demonstrar uma bem elaborada intersecção do futebol com a vida; da palavra literária com o futebol, e deste com a frágil condição humana. Se não, vejamos, na seqüência da abordagem pelo técnico da questão do aproveitamento, no jogo, dos seus ainda imaturos jogadores:

“Para muitos era um mistério do futebol. Não para o experiente Santamaria. Ele sabia do que se tratava. Já enfrentara a dificuldade muitas vezes antes. Tinha a ver, acima de tudo, com motivação. Os garotos precisavam sentir a urgência de encontrarem uma solução para a partida. Quando entravam faltando 25 ou 20 minutos, colocavam fogo no jogo, infernizavam a vida dos defensores adversários, assumiam integralmente a missão de salvar o time. Também tinha tudo a ver com o fato de entrarem em campo descansados, claro. Pegavam os zagueiros e os volantes já com a língua de fora e barbarizavam para cima deles. Habilidosos, os meninos tinham gás de sobra e um rico repertório de jogadas, e surpreendiam a todos.
“Quando começavam jogando, porém, caíam logo nas garras do sistema defensivo adversário, tornavam-se presas fáceis de zagueiros e volantes rodados. Dosavam mal a energia, corriam demais no início. Com poucos minutos de jogo já haviam informado as técnicos e jogadores oponentes todo o seu acervo de truques com a bola e sem ela. Acabavam sendo anulados com 10 ou 15 minutos de jogo. Eles iam melhorar, claro. Com o tempo aprenderiam a guardar forças para distribuí-la ao longo de toda a partida, simplificariam algumas jogadas, guardariam aquele drible especial para o momento mais oportuno, aprenderiam a ser venenosos e a dar o bote na hora mais apropriada, na situação mais aguda. Aprenderiam a se fazer de mortos. O jogo jamais perderia a graça para eles só por estarem muito marcados. Mas o clube queria resultados a curto prazo”.


O problema da motivação – e da ação do tempo sobre ela – é enfrentado pelo treinador Santamaria na perspectiva de que essa ação é benéfica às coisas; pelo ângulo de que há sempre um tempo certo para se fazer algo, consistindo a sabedoria humana na paciência bíblica de saber esperar para agir corretamente, conforme o ensinamento do Eclesiastes de que “há tempo para se plantar e há tempo para se colher”, e por aí vai. Tanto que num certo momento da narrativa, ele se pega pensando na ex-mulher, Júlia, já falecida, e do quanto ele próprio já tinha sido um jovem precipitado e impaciente. Enfim: o encaminhamento da narrativa se dá para uma saída otimista da questão para a qual o narrador aponta um caminho alvissareiro:


“O velho treinador Ary Santamaria pensou então que no ano seguinte ele também teria de estar melhor. Porque tanto os seus garotos quanto ele próprio, assim como todas as outras pessoas, seriam sempre novatos nesta vida”.
“Apesar da melancolia que não parava de crescer dentro dele, Santamaria ainda sentia-se abraçado pela confortante sensação de que sempre se poderá ficar melhor enquanto houver tempo e se tiver espírito inquieto”.


Já no conto de Sérgio Sant’ Anna, contudo, o problema toma outra direção. A peça é uma narrativa refinadíssima em que um técnico de futebol, transfigurado em narrador de primeira pessoa - um narrador-personagem - faz também apuradas reflexões sobre a filosofia do jogo da bola e da própria vida, num sentido mais geral, quando esta e este, por razões de contingências especiais, formam um conjunto de fatores sobre os quais se fundem para sustentar uma existência particular. Trata-se aqui, mais particularmente ainda, das experiências de um treinador que assiste a derrota por 7 a 1 do seu time de subúrbio frente a um dos grandes clubes do futebol carioca, no momento em que pressente que está prestes, pela chegada da velhice (simbolizada pelos números acachapantes do placar inexorável e injusto), a abandonar não só o campo do jogo, mas, sobretudo, o da própria existência que se esvai.


O tempo da história é o da duração do próprio jogo - desde a preleção para os seus jogadores no vestiário até o seu final, com o Maracanã já às escuras – durante o qual a palavra reflexiva e contundente de um senhor já experimentado na arte de comandar técnica, tática e disciplinarmente grupos heterogêneos de homens em interação, conjectura sobre o sentido ou inutilidade da vida, e, por extensão, do próprio jogo de futebol que a ele lhe dar sentido. Além de – por uma atitude reflexa – refletir sobre a própria validade da reflexão, o que, neste caso, transformada em literatura, implica o próprio papel desta arte como forma de conhecimento humano. Um narrador que muito bem podia ser definido assim, numa operacional paráfrase ao poeta Fernando Pessoa: “O que em mim conta, está pensando!”


Aqui, pois – em paralelo com a abordagem anterior do mesmo tema - o que está em jogo enquanto investimento temático extrínseco é a motivação para a vida; a busca de um sentido geral para a existência; a redescoberta de um valor essencial à integridade subjetiva com a qual, através dos sentidos que atribuímos às coisas, justificamos a nossa existência no mundo.


Neste sentido, veja-se um dos trechos da narrativa que aponta justamente para a falta de sentido de todas as coisas, conforme o ângulo que se olha o mundo ou a posição e circunstância em que se encontra o observador:


“Uma reflexão sobre o futebol, num momento depressivo, quando o seu time perde por quatro a zero quase a terminar o primeiro tempo e você está ali, na boca do túnel, no banco cavado no cimento, tendo uma perspectiva do campo da qual se vêem principalmente pernas correndo de um lado para ou­tro em busca de uma pequena esfera de couro, em meio a rugidos ferozes da platéia, pode levá-lo a perguntar-se, numa ânsia súbita de abandono ou entrega ao destino, à velhice, à morte, se faz algum sentido isso: homens e mulheres de todas as idades a gritar numa paixão histérica por algo que não passa de uma bola entrando nesse ou naquele gol? Caralho, para uma pessoa sensata, que diferença isso pode fazer?”

Contudo faz, sim, a diferença, o buscar sentido para as coisas, mesmo que através de um jogo – no caso o futebol – em que em última instância a vida se representa. Continuemos com as reflexões do nosso treinador-narrador:

“O silêncio, no vestiário, durante o princípio do intervalo, só é quebrado pelas respirações, que demoram a voltar ao normal. O que pode dizer um téc­nico já derrotado no meio tempo? Mandar, no desespero, como um general que reunisse os frangalhos dos seus soldados para a fase decisiva de uma bata­lha em que não pode render-se, que se lançassem todos ao ataque? Como um touro crivado de bandeirilhas que investisse para a morte?
Não, isso só faria aumentar o fragor da nossa derrota.
- Vocês não seguiram minhas instruções - eu disse, frio, mantendo a mes­ma calma que criou um mito em torno da minha pessoa. - Vamos fazer, agora, como se fosse um outro jogo que ainda estivesse zero a zero. Vamos usar pelo menos isso a nosso favor: a tranqüilidade dos que nada têm a perder.
-
O Jair, por exemplo, está ali quieto, chupando uma laranja. É um indiferen­te ou um estóico, sei lá. Se dependesse dele, seria até possível virar um jogo desses. Bom, não exageremos, não seria impossível, ao menos, reduzir a diferença na contagem?
- Vamos continuar a fazer... Ou melhor, vamos começar a fazer o que eu mandei desde o princípio. Usar os pontas entrando em diagonal, para não le­var mais um monte de gols e pelo menos não perder a dignidade.
Foi o que eu disse, em meio a um silêncio de morte, mas não pude evitar que uma gota de suor pingasse do meu rosto sobre o terno branco. Já não sou mais o mesmo, penso, tirando um lenço azul do bolso.
O que se pode dizer de mim em poucas palavras? Que uso, mesmo nas tardes de verão, um terno imaculado? Que não suo (e para um bom entende dor isso bastaria)? Que sou uma múmia do futebol que se recusa a morrer (e a vida, para mim, sempre foi o futebol)?”

Com esta indagação pessoal do personagem-narrador entramos, por fim, no outro aspecto da relação do futebol com a literatura que propugnávamos no texto anterior: o âmbito estrutural que informa estes dois campos de ação e de linguagem humanas, desdobrado na idéia de que a literatura também apanharia o futebol enquanto matéria significante; matéria semiológica sustentada em afinidades constitutivas comuns, pois que a palavra - quando literária - também se sustenta numa relação fluida, sempre em curso, nunca parada, sempre transitiva, do seu corpo físico (o significante lingüístico) para com a coisa que representa (designa): o seu referente a que empresta sentido; o objeto representado. Assim como o futebol, que tem a peculiaridade de ser, na sua multiplicidade fenomênica, uma linguagem singular, posto que não verbal, uma supralinguagem também baseada numa unidade de sentido relacional e objetivamente móvel, cambiante, reversível, que é a relação do corpo humano com uma bola; algo liso e fluido, esférico, sem quinas, pontas, dorso ou face, igual a si mesmo em todas as direções de superfícies.
Em decorrência disso, dizíamos que a literatura, por ser também uma supralinguagem só redutível a si mesma, está apta a captar o mundo na sua realidade mutável e cambiante, na sua operação alucinante de ser e de não ser, simultaneamente; no seu aspecto de realidade palpável e de irrealidade alucinatória onde, às vezes, o que parece ser, não é; e o que é não parece ser. Uma linguagem esférica, elíptica, portanto, como as curvas de uma bola no ar, apta a produzir, na forma e no conteúdo, a formulação das maiores questões humanas numa operação em que a palavra entra ao mesmo tempo como tema e como veículo deste tema, ou das questões que ele enseja.
Pois é justamente isso que acontece nessa nossa exemplificação demonstrativa da matéria literária em si mesma – na rápida leitura desses dois contos em análise – com a conclusão das indagações do personagem da história sobre sua própria pessoa; sua condição de treinador de futebol e de narrador literário. Uma boa formalização literária tematizando o futebol em que forma e conteúdo se fundem numa matéria só. Uma matéria que é vida e que é palavra; que é realidade e que é ficção; que, no seu horizonte de limite, demonstra, na prática, que os dois campos mantém uma relação de interação mútua tanto como formas de expressão estética combinatórias e complementares (o jogo dá texto e o texto dá jogo) quanto como fonte de inspiração intrínseca geminada (pode haver jogadas de letra e letra de jogadas) como já demonstrávamos no exemplo do poema do artigo anterior.
Concluamos tudo com a auto-inquirição do nosso personagem-narrador:


“Eu, um discurso que se articula e se pretende íntegro e real para si e para os outros? Mas não será isso uma convenção, artifício que a qualquer momento poderá estilhaçar-se, esse eu que pronuncia para si e para os outros tal discurso, texto (imaginário?)? Esse eu que se transforma em outro na medida em que dele falo?
Mas é como se apenas assim, através deste discurso, tornasse-me eu existente, a ilusão se materializasse, o caos se estruturando para formar uma reali­dade além da alucinação. Como se desse modo, somente, pudesse eu sentar­-me outra vez no banco próximo ao gramado, compreender-me dentro de uma função, a de técnico de um time derrotado. Sabendo, estoicamente, que tem de haver alguém que faça esse papel, como tem de existir um modesto bandei­rinha (que às vezes querem enganar), gandulas, espectadores, funcionários do estádio, todos nós acreditando - ou fingindo acreditar - no jogo”.

Para maior aprofundamento no tema, ler:

CARNEIRO, Flávio. PASSE DE LETRA: FUTEBOL & LITERATURA. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

FRANCO JR, Hilário. A DANÇA DOS DEUSES: FUTEBOL, SOCIEDADE, CULTURA. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.PEDROSA, Milton. GOL DE LETRA. Rio de Janeiro: Editora Gol, 1967.
COSTA, Flávio Moreira da. (org.). 22 CONTISTAS EM CAMPO. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
LOVATO FILHO, Cláudio. O BATEDOR DE FALTAS. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

SIM, NÓS PODEMOS!


LIDERANÇA É LIDERANÇA


OLIMPÍADAS DE 2016 VAI SER
MESMO NO BRASIL


Em discurso competentíssimo - para os efeitos pretendidos -, Lula cria paráfrase política desconcertante para cima de Barack Obama e traz os Jogos Olímpicos de 2016 pela primeira vez para a América do Sul

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Botafogo da Paraíba: um time e uma torcida grande e belos!







CRÔNICA DE ANIVERSÁRIO
Por: Edônio Alves
Todos os torcedores de futebol se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Têm o mesmo comportamento e xingam o juiz, com a mesma exuberância e os mesmos nomes feios, o juiz, os bandeirinhas, os adversários e os jogadores do próprio time. Há, porém, um torcedor, entre tantos, entre todos, que não se parece com ninguém e que apresenta uma forte, crespa, irresistível personalidade. Ponha uma barba postiça num torcedor do Botafogo, e dêem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por que?”

O trecho acima, retirado de uma das imortais crônicas de Nelson Rodrigues sobre futebol, me serve aqui de apoio para uma breve, curta, rapidíssima reflexão sobre o time e a torcida do Botafogo da Paraíba, nesta semana em que todos nós amantes do bom futebol, nós os torcedores do grande e belo Botafogo paraibano, estamos comemorando os 78 anos de história do nosso clube mais querido.

A reflexão profética de Nelson Rodrigues sobre o torcedor do Botafogo do Rio, que junto a minha sobre o homônimo time paraibano, trata de uma característica singularíssima da personalidade do torcedor botafoguense: a ontológica capacidade de sofrer com seu clube. Parafraseando Euclides da Cunha, diria que o torcedor do Botafogo, o do Rio, é antes de tudo um sofredor. Portanto, ele não vai a campo para ver futebol. Para o Botafoguense do Rio, o futebol é um mero detalhe. O que lhe interessa não é a vitória mas a edificante experiência da derrota. Assim, o torcedor botafoguense – repita-se, o do Rio -, traz em si todos os caracteres dramáticos de um personagem sheakspereano.

Mas e o torcedor do Botafogo paraibano? O que lhe patenteia o traço particularíssimo? O que, enfim, lhe faz singularíssimo, diferente, diverso das outras estirpes de torcedores, já que todos se parecem entre si como soldadinhos de chumbo? A estes questionamentos, que amanheceram comigo nesta segunda-feira, 28 de setembro, data de aniversário (o Botafogo completa hoje 78 anos de gloriosa existência), ouso responder com a seguinte observação: o torcedor botafoguense da Paraíba é antes de tudo um ser estético. Ele não vai a campo para ver apenas seu time ganhar. Ganhar para o botafoguense da Paraíba é um mero detalhe. O que lhe interessa, sobretudo, ao comprar o ingresso para adentrar o Almeidão - e nisso o torcedor se iguala aos jogadores quando estes pisam naquele gramado sagrado -, o que interessa ao Botafoguense paraibano, dizia, é, sobretudo, a qualidade do futebol apresentado pelo seu time em campo.
Não se assustem, pois, ao virem aquela bonita massa alvinegra se retirar do estádio ainda faltando muito para uma partida acabar, esteja seu time perdendo ou ganhando. Principalmente ganhando, diria eu. É que historicamente acostumado a ver grande e belo o futebol – registre-se que o nome Botafogo foi inspirado no homônimo carioca justamente pelo outrora exemplo artístico do time -, o torcedor pessoense não se contenta com pouco.

É que nós, meus amigos, nós os verdadeiros botafoguense - ao contrário dos trezeanos e campinenses -, nascemos sabendo distinguir o dramalhão bufo de Dario Fo da alta densidade artística da prosa de Dostoiévski. Nós botafoguenses sabemos que muito mais importante do que ganhar ou perder vale mesmo é o espetáculo artístico proporcionado pelo time em campo. Talvez seja por isso, por essa característica que só nós os botafoguenses temos - a particularidade de ver o futebol como um espetáculo -, é que ninguém compreenda o fato do torcedor do Belo se comportar no estádio Almeidão como se estivesse em um teatro: profundamente silencioso mas enfático quando sente que deve aplaudir as grandes jogadas dos seus ídolos.

Por isso, caro amigo torcedor, quando Beraldo de Oliveira, Manoel Feitosa, Livonete Pessoa, José de Melo, Edson de Moura Machado e Enock Lins resolveram se reunir, numa ruazinha de nome grande (do grande Borges da Fonseca) no bairro do Roger, para fundar o nosso Botafogo, no dia 28 de setembro de 1931, não o fizeram apenas para fundar um clube de futebol. Fizeram-no, isto sim, para fundar e gravar na história da Paraíba uma maneira artística de jogar e apreciar o futebol. Parabéns, então, para eles e para nós todos nesse nosso aniversário!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

COPA DO BRASIL de FUTEBOL FEMININO




AS MENINAS DO BOTAFOGO-PB


Começou ontem (25/09) a Copa do Brasil de futebol feminino deste ano patrocinada pela CBF. O único time representante da Paraíba é o BOTAFOGO de João Pessoa. O título do campeonato dá direito à disputa da Taça Libertadores da América em 2011. A equipe campeã do ano passado foi o Santos de São Paulo, que este ano trouxe a jogadora Marta, para disputar a Libertadores. O vice-campeão foi o Sport Clube Recife que também estreiou ontem justamente contra o Botafogo da Paraíba, no estádio Almeidão, em João Pessoa. Mais experiente (a equipe está junta há três anos e é tricampeã pernanbucana, o time de Recife sapecou uma goleada de 4 a 0 nas paraibanas, que só fizeram dois treinos para este jogo). Mas, o mais importante é que a diretoria do BELO já confirmou a manutenção do time a que vai entregar as estruturas do clube para treinamento e disputas de jogos amistosos e oficiais.

A equipe feminina do BOTAFOGO é comandada pelos seguintes profissionais:

Gleide Costa - Técnica
Giusiane Gomes Coutinho - Auxiliar Técnica
Jéssica Inácio - Fisioterapeuta
Walter Ataíde - Coordenador de Futebol Feminino
Eliane Leal - Psicóloga
Rejane Gomes - Preparadora Física
Josemir - Contato Publicitário.

Imagens do jogo, confira na GALERIA DE FOTOS, à direita!!!

terça-feira, 22 de setembro de 2009

BOTAFOGO 1 X 0 AUTO ESPORTE



BELO VENCE MAIS UM BOTAUTO
PELA COPA PARAÍBA
Jogando no estádio Almeidão, neste domingo (20/09), o Botafogo derrotou a equipe do Auto Esporte pelo placar de 1 a 0, com gol de Cristiano Alagoano (de Cabeça aos 28 minutos da primeira etapa), após ter recebido um cruzamento perfeito do ala direito, José Wilker, que foi a novidade do dia no time do Belo.
O Auto Esporte iniciou a partida impondo seu ritmo de jogo, com bastante velocidade e tranquilidade em seu toque de bola. O Botafogo, por sua vez, não se encontrava em campo. Estava nervoso, e errava muitos passes. À partir dos 15 minutos, é que o alvinegro começou a se encontrar em campo, acertando mais o seu passe, e se impondo como equipe grande, passando, assim, a pressionar o Auto Esporte.
Aos 28 minutos da etapa inicial, numa boa jogada do meio campo com o ala José Wilker saiu o gol do Botafogo. Wilker lançou com precisão para Cristiano Alagoano que, numa bela cabeçada, colocou para o fundo do barbante. Após o gol do alvinegro, as duas equipes caíram de produção, parecia até que não queriam mais nada no jogo.
Aos 42 minutos, o meia Kel, do Botafogo, que até então vinha muito bem na partida, se deu ao luxo de perder um gol dentro da pequena área; só ele o goleiro e a trave.
No segundo tempo só deu Auto Esporte. A equipe de mangabeira pressionou muito o Botafogo, que não encontrava-se em campo. Não fosse o zagueiro Rogério, e o lateral Zé Wilker, que tiraram duas bolas em cima da linha do gol, o Auto Esporte poderia ter saído com a vitória no clássico.
FICHA TÉCNICA:
BOTAFOGO: Rerisson, José Wilker, Odair, Rogério, Kika, Ivan, Jean (Sapé), Jougle, Kel (Juninho), Cristiano Alagoano e Vinícius (Romário).
AUTO ESPORTE: Amauri, Rafael Recife, Galdino, Luiz Paulo, Cledson (Raí), Dé, Mailton (Cléber), Rockelan, Jr. Kiboa, Gil Paraíba e Felipe (Formiga).
Gol: Cristiano Alagoano aos 28 do primeiro tempo.
O BOTAFOGO agora é o líder da Copa Paraíba, somando 6 pontos ganhos, e saldo positivo de 4 gols. No próximo domingo (27/09), o BELO recebe o TREZE, no Almeidão, tentando o 9º ponto na competição.
Mais informações sobre o CLÁSSICO, clique aqui.



sábado, 19 de setembro de 2009

CLÁSSICO PARAIBANO - Clique na imagem para ampliar


FUTEBOL da PARAÍBA

Mais um Botauto no Almeidão, neste domingo, 20 de setembro!

Se o Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada, como assegura Nelson Rodrigues, o Botauto eclodiu como uma faísca do Bigbang!!!

O jogo é pela Copa Paraíba, cujo vencedor terá como prêmio uma vaga na Copa do Brasil do ano que vem.

Inicia, assim, neste domingo, a caminhada do meu glorioso BOTAFOGO rumo a Dubai, após o título de Campeão Brasileiro de 2014.

Clique aqui para saber o PLACAR DO JOGO

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ESPORTE E CULTURA ATRAVÉS DA MÍDIA

O JORNALISMO ESPORTIVO EM DEBATE

Para quem está no Rio de Janeiro, recomendo este curso aqui do professor e estudioso do futebol pelas lentes da sociologia, Ronaldo Helal. Garanto, porque já o fiz, no primeiro semestre deste ano da UERJ, que de lá sairão discussões refinadíssimas sobre a maneira como a mídia trata a inserção do futebol na sociedade e cultura brasileiras.

BRASIL 3 x 1 ARGENTINA - 05/09/2009


"Eu é que já estava longe, me refugiando na arte. Que coisa lindíssima, que bailado mirífico um jogo de futebol! "
Mário de Andrade, a propósito de um jogo entre Brasil e Argentina em 1939. Para ler mais, clique aqui.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

BRASIL x ARGENTINA - ou Mário de Andrade e o futebol!

"Mas na verdade, por causa daquele jôgo, estávamos todos odiando os argentinos e a Argentina."

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"Ora o que é que se via desde aquele início? O que se viu, se me permitirem a imagem, foi assim como uma raspadeira mecânica, perfeitamente azeitada, avançando para o lado de onze beija-flôres".
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"Era Minerva dando palmadas num Dionísio adolescente e já completamente embriagado. Mas que razões admiráveis Dionísio inventava para justificar sua bebedice, ninguém pode imaginar! Que saltos, que corridas elásticas! Havia umas rasteiras sutis, uns jeitos sambísticos de enganar, tantas esperanças davam aqueles volteios rapidíssimos, uma coisa radiosa, pânica, cheia das mais sublimes promessas! E até o fim, não parou um segundo de prometer... Minerva porém ia chegando com jeito, com uma segurança infalível, baça, vulgar, sem oratória nem lirismo, e juque! Fazia gol".
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Mentor intelectual do movimento modernista nas nossas letras, Mário de Andrade foi um dos intelectuais que mais se empenhou em criar uma fisionomia brasileira para as nossas intervenções no âmbito da cultura. E cultura entendida aqui não apenas no seu restrito sentido erudito e elitista, mas, sobretudo, no senso popular da palavra; no que ela tem de revelador do que fazemos, do que somos e do que fazemos do que somos.
Assim é que podemos entender as palavras acima, escritas em uma crônica sua, datada de 1939, por ocasião de um jogo entre o Brasil e a Argentina, a que assistira no Rio de Janeiro.
Estão presentes aí, perfeitamente qualificados, todos os ingredientes que iriam definir o tipo de futebol praticado pelos brasileiros desde que importou-se o jogo da Inglaterra, assimilou-se o seu espírito lúdico e competitivo e incorporou-se à sua prática uma maneira de ser nacional em oposição a um outro estrangeiro, aqui representado pelo nosso maior rival: os nossos vizinhos portenhos.
Pois bem! Neste sábado (05.09), se enfrentam mais uma vez - desta feita na disputa de uma vaga para a Copa do Mundo da África do Sul, em 2010 -, os brasileiros e os argentinos. É possível que se reeditem outra vez os elementos contextuais que sempre cercam os encontros futebolísticos entre estas duas nações, tão bem captados pela pena do nosso Mário de Andrade. Vamos aguardar pra ver. E com a certeza - espero que confiramada pelos fatos - de que é sempre muito bom ganhar da Argentina! Afinal, parafraseando o sociólogo do futebol, Ronaldo Helal, nós odiamos amar os argentinos enquanto os argentinos amam nos odiar!
  • Em tempo: o jogo a que Mário de Andrade assistiu e que serviu de motivo para a composição da aludida crônica, foi o de nº 59 da história da Seleção Brasileira de futebol. Disputado no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, pela Copa Roca, em 15 de janeiro de 1939, o jogo foi responsdável por uma das maiores goleadas sofridas por nosso selecionado frente aos argentinos: 5 a 1 pra eles.
  • Na relva verde, os nossos beija-flores eram: Batatais; Domingos; Machado; Bioró e Brandão; Médio; Luisinho e Romeu; Leônidas; Tim e Hércules. O único gol do Brasil foi marcado por Leônidas.
  • Para ler a crônica de Mário de Andrade, intitulada "Brasil versus Argentina", ver: PEDROSA, Milton. GOL DE LETRA. Rio de Janeiro: Editora Gol, 1967.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A letra e a bola: futebol e literatura no Brasil


Os escritores brasileiros, em sua maioria, têm evitado o futebol. Talvez seja porque o esporte, à semelhança da guerra e do amor, seja tão grandioso que é simplesmente impossível aumentá-lo.
Deonísio da Silva


Aproveito as sugestões inspiradoras das observações acima para iniciar aqui, neste blog, uma conversa que espero sistemática e frutífera sobre a relação do futebol com a literatura no Brasil.

Já se disse outrora (e o autor não foi ninguém menos que Nelson Rodrigues) que o escritor brasileiro, em matéria de futebol como investida temática, não sabe sequer cobrar um escanteio. Tal assertiva, compulsada com essa outra aí de cima, do também escritor Deonísio da Silva, é por si só um convite à reflexão. E a mim, pelo menos, esse convite é impossível de recusar. Não só porque essas palavras possuem um conteúdo inquietante, mas também - e, talvez principalmente -, porque proferidas por autores que não só sabem cobrar escanteios, quando estão dentro da área (para criar uma situação impossível dentro do campo propriamente dito), como conhecem profundamente o jogo da bola quando mediado pela palavra literária.

A pergunta que surge, então, é a seguinte: por que esses e outros não poucos escritores brasileiros insistem em constatar uma tão insuficiente convivência profícua entre a nossa grande arte popular – o futebol – e a nossa outra grande arte mais erudita – a literatura?
Tentemos elencar aqui umas possíveis conjecturas sobre esse tema tão mal resolvido no âmbito das preocupações das nossas letras.

A princípio, diria que a relação do futebol com a literatura é um pouco diferente da sua ligação com as outras artes, por exemplo. Com a música (o samba, em destaque, pela sua centralidade na nossa cultura musical), é mais etnológica, antropológica, digamos assim; e também temática, claro. Com a pintura, correndo os riscos de pisar na bola ou borrar a tela, diria que é figurativa, mimética, uma ligação de um campo que inspira outro, apenas. Com o teatro já é mais complexa, posto que o próprio jogo de futebol é, em grande medida, teatro puro; um peça de representação que a vida real nos encena a cada 90 minutos, e em vários gêneros simultâneos: da epopéia heróica, passando pela farsa picaresca e pela comédia bufônica até chegar a mais lídima tragédia grega, quando não, no mais legítimo drama shakespeareano. (O próprio Nelson Rodrigues também fez questão de frisar que a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeareana).

Com o cinema já é mais problemática. Chega a ser mesmo um caso de impermeabilidade, irredutibilidade ou irresolução de um campo para com o outro. Já ouvi vários cineastas dizerem que é impossível filmar futebol sem que seja arranhada a autenticidade do jogo. A sua autonomia enquanto universo de linguagem própria. Com a dança, posto que ali, tal como no jogo, o corpo é o objeto significante principal, a relação é mais amigável, colaborativa e inspiradora. Mas.., e com a literatura, como se dá a interação, a troca de sinais e de sentidos; a gama de elementos comuns a esses dois dos mais complexos e desafiadores campos de expressão das coisas humanas?

Diria, também, a princípio, que aqui a relação se dá em dois níveis principais. Um estrutural – a literatura apanharia o futebol enquanto matéria significante, tema desse nosso primeiro artigo aqui no blog -, e outro motivacional: o futebol entraria na literatura como uma extraordinária fonte de preocupações temáticas, com toda a sua gama (ou amálgama) de personagens, tipos humanos, situações, aporias existenciais constitutivas, vicissitudes potenciais que encena, desafios socioculturais que coloca a nossa frente; enfim, o futebol se apresentaria à literatura como uma espécie de espaço de representação em que a sua dimensão ficcional se realiza na prática vivencial enquanto jogo. E que jogo, convenhamos, amigos!

Tomando aqui o primeiro aspecto da questão, conforme prometido, temos que o futebol é em si mesmo um campo de linguagem própria. Assim como a literatura, uma linguagem autônoma e auto-significante. Aquele algo tão grandioso que talvez seja impossível de aumentar, nas palavras de Deonísio da Silva. E acrescente-se a esse fato cultural a peculiaridade de ser o futebol, na sua multiplicidade fenomênica, uma linguagem singular, posto que não verbal e, como a própria ontologia do signo em termos semiológicos, baseada numa unidade de sentido relacional e objetivamente móvel, cambiante, reversível, que é a relação do corpo humano com uma bola, “esse objeto distinto de todos os outros – sem quinas, pontas, dorso ou face, igual a si mesmo em todas as direções de superfícies -, que rola e quica como se animado por uma força interna, projetável e abraçável como nenhum”, no canoro dizer do crítico literário José Miguel Wisnik.

Decorre daí que o abraço que a literatura dá na bola (esta aqui entendida como metonímia extensiva do próprio jogo de futebol) é um amplexo de vínculos fortes, sólidos, baseado em afinidades constitutivas comuns, pois que a palavra - quando literária - também se sustenta numa relação fluida, sempre em curso, nunca parada, sempre transitiva, do seu corpo físico (o significante lingüístico) para com a coisa que representa (designa): o seu referente a que empresta sentido; o objeto representado.

Tentando fechar essa equação de sentidos, temos o seguinte: a literatura é uma supra-linguagem nutrida de todas as outras, mas, ao mesmo tempo, só redutível a si mesma e apta a captar o mundo na sua realidade mutável e cambiante, na sua operação alucinante de ser e de não ser, simultaneamente; no seu aspecto de realidade palpável e de irrealidade alucinatória onde, às vezes, o que parece ser, não é; e o que é não parece ser.

O futebol, por outro lado, quando compreendido como um fenômeno que vai além daquele jogo realizado em quatro linhas de um espaço retangular, enxergado como um acontecimento sociocultural de amplo alcance (veja-se o fato de ser aceito por quase todas as culturas do mundo), é também uma supra-linguagem só redutível a si mesma, apta a recolher e espraiar os múltiplos sentidos culturais que se impregnam na sua operação simbólica básica, que é a de – através de um rito primordial, o homem enfrentar o outro (e, por decorrência especular, a si mesmo) através de uma guerra em que o fundamental não é a morte, a aniquilação do outro, mas a sobrevivência de todos, numa perspectiva festiva e prazerosa. Algo que só a arte pode dar ao realizar, na prática, a utopia existencial fundamental do ser humano: a sobrevivência pacífica e livre entre os diferentes seres e povos, que são, em última instância, seus semelhantes. Tudo isso mediado pelo tempo e pelo poder de criar. E criar, fundamentalmente, sentido para o mundo.

Encerrando esse nosso primeiro papo, elenco agora as afinidades constitutivas que ligam, irremediavelmente, a literatura com o futebol, nesse âmbito estrutural de que falei um pouco acima. E lembro, ao ensejo, que o liame comum a ambos é o fato de serem acima de tudo meios de expressão estética. Ou seja: linguagem e arte puras, em todos os sentidos.
O futebol tem em comum com a literatura, nessa perspectiva estrutural e ontológica, o seguinte:


  • Ambos constituem um tipo de jogo (um de bola, outro de palavras) e como tal possuem suas regras;

  • Tanto o escritor quanto o jogador de futebol inventa dentro de certos limites, sendo a subversão desses limites a arte dos gênios nos dois casos;

  • Essas regras, nos dois campos, existem para permitir a entrada do imponderável, do inesperado, do toque do aleatório (vide um final inesperado de um conto ou uma jogada genial de um Garrincha, aquela que resolve a parada – Em tempo: Garrincha só driblava para um lado, e quase sempre o mesmo drible, mas zagueiro nenhum o detinha; era o inesperado dentro do esperado, assim como na boa literatura);

  • Ainda quanto às regras, nos dois casos, elas dependem da interpretação (do árbitro, no futebol; do leitor, na literatura) e isso deixa aos dois campos um espaço de criação de sentidos em aberto;

  • Esse espaço de sentido em aberto cria um mundo à parte, fora da lógica da vida comum e do cotidiano vivencial das pessoas: um mundo com começo, meio e fim presumível, mas, contudo, imprevisível (compare-se um romance e uma partida de futebol, nesse sentido: ambos começam, se desenvolvem, criam climas, suspenses e se concluem para um novo começo, deixando ainda uma área de especulações interpretativas para o que poderia ter sido e que não foi);

  • Aqui, entra outra dimensão importantíssima dos dois campos: a intervenção das artimanhas do acaso, que gera fantasia: veja-se a importância do chamado “montinho artilheiro”, no futebol, aquela saliência que as vezes há no campo de jogo e que, sem ninguém esperar, põe a bola pra dentro do gol, sem intervenção humana alguma. Ou, na literatura, um homem-personagem de repente virar uma barata, como caso de Gregor Sanza, no conto A metamorfose, da Kafka;

  • Os dois campos se constituem de elementos estruturais em comum: há sempre uma narração, e, portanto, um narrador (ou vários narradores-autores); há sempre um tempo a ser decorrido e, portanto, é um domínio em que o tempo precisa ser dominado, embora isso seja impossível técnica e conceitualmente falando; se há narração, existem personagens e, a partir deles, ações que se desenvolvem no tempo e no espaço; e, por último, tudo isso forma um enredo, que constituem uma partida de futebol em si, ou uma peça literária, seja ela um conto, um romance ou um poema.

E, como espero ter ficado claro, os dois se complementam e se colaboram.

Sendo assim, os dois campos mantém uma relação de interação mútua tanto como formas de expressão estética combinatórias e complementares (o jogo dá texto e o texto dá jogo) quanto como fonte de inspiração intrínseca geminada (pode haver jogadas de letra e letra de jogadas) como no exemplo poético a seguir de autoria do poeta paraibano, Eulajose Dias de Araújo:

PALAVRASBOLAS

As palavras não

são bolas de futebol,

mas eu jogo com

as palavras como

se bolas elas fossem...

Futebolescas as palavras

se tornam bolas

para todos os acertos

de concordância ou sintaxe,

gramática jogando

com matemática quase.

Gol de pensamento são

as palavras no tempo,

ou no tempo de tempo,

ou no tempo de tempo,

são as palavras:

palavrasbolas paraboladas

jogando palavreadas.

No próximo post, vou tratar da relação da literatura com o futebol em termos de mais outros aproveitamentos (agora, temáticos) do jogo de bola pela expressão literária dos escritores brasileiros contemporâneos.
Aguardem o próximo POST, pois não!


Para maior aprofundamento no tema, ler:


  • CARNEIRO, Flávio. PASSE DE LETRA: FUTEBOL & LITERATURA. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

    FRANCO JR, Hilário. A DANÇA DOS DEUSES: FUTEBOL, SOCIEDADE, CULTURA. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    PEDROSA, Milton. GOL DE LETRA. Rio de Janeiro: Editora Gol, 1967.

  • WISNIK, José Miguel. VENENO REMÉDIO: O FUTEBOL E O BRASIL. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.