Jogo de bola, jogo de
palavras…
Por Edônio Alves
Como
se pode constatar (isso vale para o leitor mais assíduo) dando uma olhada nos
textos diversos que compõem essa nossa coluna de domingo, várias das minhas
inserções aqui tiveram como finalidade a discussão teórica e/ou analítica da
relação entre o jogo de futebol e a literatura. Tal ligação entre os dois
campos, que sempre foi o objeto de meus estudos acadêmicos no campo do
Jornalismo, pode-se dizer, tem como base o pressuposto de que tanto o futebol
como a literatura encerram códigos de comunicação específicos, porém
relacionais entre si.
A ideia
que funda esse pressuposto é a noção de jogo, uma vez que o esporte futebol tem
origem e se sustenta, tanto na teoria quanto na prática, no conceito
antropológico de jogo. Assim também é a literatura, uma forma de expressão
estética da linguagem (tal qual o futebol como linguagem corporal que também o
é) que se realiza muito fortemente na estruturação de jogos de palavras.
Uma
peça literária nada mais é, portanto – seja ela um romance, um conto ou um
poema -, do que a formalização, em nível linguístico, da expressão verbal da
língua sob a forma de um jogo de palavras que intenta transmitir algo, seja
isso uma ideia, uma sensação, um conceito ou uma mera referência direta da
realidade objetiva em que vivemos.
Nesse
sentido, ao estudar bastante a presença do futebol na literatura brasileira em
suas mais diferentes formas, pude comprovar, ao menos analiticamente, uma
alvissareira constatação: a clara impressão de que, talvez motivada pela
centralidade do tema do futebol na nossa cultura, a literatura brasileira já
elaborou um conjunto de operações modelizantes, através da contribuição
conjunta, sucessiva e pessoal dos seus mais distintos escritores, com as quais
construiu um tipo específico de peça literária: o conto brasileiro de futebol.
Não se diga o conto de futebol no geral, mas, precisamente, o conto brasileiro
de futebol, significando isto uma peculiar formalização estética de um tema
cuja efetivação literária só é possível graças à dimensão estruturante desse
jogo no âmbito específico da nossa mentalidade e formação cultural.
Um
bom exemplo para a comprovação dessa minha ideia é a presença de temas de
formalização literária que só seriam possíveis na realidade peculiar da nossa
cultura futebolística. Cito, neste caso, à guisa de exemplificação, um dos
assuntos mais pautados pelos escritores brasileiros que escreveram sobre
futebol no gênero conto: a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do
Mundo de 1950 em pleno estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Pelo trauma que
o fato causou na memória emocional brasileira, o chamado “maracanazzo” tem
mobilizado a inteligência narrativa de vários de nossos escritores tornando-se,
assim, um assunto típico do conto futebolístico brasileiro de futebol.
É o
que os teóricos da literatura chamam de um "verdadeiro topoi", isto é, no caso, um tema
recorrente e representativo de questões gerais do nosso imaginário
futebolístico decorrente de representações que suscita do âmago mais profundo
de nossa alma. A questão das inevitáveis frustrações que a vida nos impõe; a
questão das perdas irreparáveis que acumulamos ao longo da nossa existência
individual e social; a questão da inversão radical das expectativas que
depositamos nas coisas e nos homens etc. O futebol, portanto, junto com a
literatura, são formas de expressão estética de coisas humanas que estão muito
além das letras e muito para além da bola, se é que me entendem.
Ler tambémk em: http://diariopb.com.br/category/colunas/coisas-de-futebol/
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