O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Futebol_ANÁLISE


Jogo de bola, jogo de palavras…




Por Edônio Alves

 

Como se pode constatar (isso vale para o leitor mais assíduo) dando uma olhada nos textos diversos que compõem essa nossa coluna de domingo, várias das minhas inserções aqui tiveram como finalidade a discussão teórica e/ou analítica da relação entre o jogo de futebol e a literatura. Tal ligação entre os dois campos, que sempre foi o objeto de meus estudos acadêmicos no campo do Jornalismo, pode-se dizer, tem como base o pressuposto de que tanto o futebol como a literatura encerram códigos de comunicação específicos, porém relacionais entre si.

A ideia que funda esse pressuposto é a noção de jogo, uma vez que o esporte futebol tem origem e se sustenta, tanto na teoria quanto na prática, no conceito antropológico de jogo. Assim também é a literatura, uma forma de expressão estética da linguagem (tal qual o futebol como linguagem corporal que também o é) que se realiza muito fortemente na estruturação de jogos de palavras.

Uma peça literária nada mais é, portanto – seja ela um romance, um conto ou um poema -, do que a formalização, em nível linguístico, da expressão verbal da língua sob a forma de um jogo de palavras que intenta transmitir algo, seja isso uma ideia, uma sensação, um conceito ou uma mera referência direta da realidade objetiva em que vivemos.

Nesse sentido, ao estudar bastante a presença do futebol na literatura brasileira em suas mais diferentes formas, pude comprovar, ao menos analiticamente, uma alvissareira constatação: a clara impressão de que, talvez motivada pela centralidade do tema do futebol na nossa cultura, a literatura brasileira já elaborou um conjunto de operações modelizantes, através da contribuição conjunta, sucessiva e pessoal dos seus mais distintos escritores, com as quais construiu um tipo específico de peça literária: o conto brasileiro de futebol. Não se diga o conto de futebol no geral, mas, precisamente, o conto brasileiro de futebol, significando isto uma peculiar formalização estética de um tema cuja efetivação literária só é possível graças à dimensão estruturante desse jogo no âmbito específico da nossa mentalidade e formação cultural.

Um bom exemplo para a comprovação dessa minha ideia é a presença de temas de formalização literária que só seriam possíveis na realidade peculiar da nossa cultura futebolística. Cito, neste caso, à guisa de exemplificação, um dos assuntos mais pautados pelos escritores brasileiros que escreveram sobre futebol no gênero conto: a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 em pleno estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Pelo trauma que o fato causou na memória emocional brasileira, o chamado “maracanazzo” tem mobilizado a inteligência narrativa de vários de nossos escritores tornando-se, assim, um assunto típico do conto futebolístico brasileiro de futebol.

É o que os teóricos da literatura chamam de um "verdadeiro topoi", isto é, no caso, um tema recorrente e representativo de questões gerais do nosso imaginário futebolístico decorrente de representações que suscita do âmago mais profundo de nossa alma. A questão das inevitáveis frustrações que a vida nos impõe; a questão das perdas irreparáveis que acumulamos ao longo da nossa existência individual e social; a questão da inversão radical das expectativas que depositamos nas coisas e nos homens etc. O futebol, portanto, junto com a literatura, são formas de expressão estética de coisas humanas que estão muito além das letras e muito para além da bola, se é que me entendem.
 

 

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