BOTAFOGO EM BRASAS
(a santa inquisição do futebol paraibano)
*LUCIANO NASCIMENTO SILVA
Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica…
JOHANN CRUYFF
Quando no início dos anos 90 do século passado o sociológo alemão NIKLAS LUHMANN pronunciou que “a complexidade é o que melhor expressa a experiência de problemas da nova investigação sistêmica” (Soziale Systeme. Grundriβ einer allgemeinen Theorie, 1990), não se tratava de uma anedota sociológica, mas sim de uma constatação científica do processo em curso de uma mudança paradigmática. O último evento de violência envolvendo torcida de futebol na Paraíba, que resultou com a morte do jovem WALLACE MARANHÃO MORAIS (17 anos), faz emergir pensamentos redrógados e atrasados no que se refere à aplicação de medidas de segurança nos estádios de futebol e entorno aos mesmos, a adoção de políticas-jurídicas no âmbito esportivo que num passado recente se demonstram ineficazes.
O episódio ocorrido domingo passado, após a partida entre Botafogo 2 x 3 Sousa, no Estádio Almeidão, fez o Ministério Público da Paraíba pensar em adotar a providência de requerer a perda do mando de campo do Botafogo, nos jogos do campeonato estadual, o que significa dizer que se vier a ser concretizada a providência o Botafogo ficará obrigado a mandar seus jogos em estádios do interior do Estado. O evento proporcionador da polêmica questão sucedeu na noite do último domingo nas vizinhanças do estádio Almeidão. Já está agendada para esta quarta-feira, 3 de março, às 14h30, na Promotoria de Justiça do Cidadão de João Pessoa, uma reunião. O promotor de justiça, VALBERTO LIRA, convocou representantes de diversas torcidas organizadas, bem como estará presente o presidente do Conselho Deliberativo do Botafogo, BRENO MORAIS, para além da questão de possível punibilidade ao Botafogo, consta da pauta a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), intencionando frear a violência nos estádios de futebol da Paraíba.
As individualidades não são mais tão lineares como se imaginava nas últimas décadas do século passado. O fenômeno das individualidades contemporâneas ou pós-modernas expressa uma concepção complexa e estratégica bem mais profunda do que o simples exame objetivo procura traçar visando a resolução dos problemas. Os nascedouros argumentos, surgidos pelos quatro ventos, de que num passado recente a direção do Botafogo incentivou ou esteve envolvida com grupos de torcedores, ou mesmo com torcidas organizadas que vivem na ilegalidade – ventilações que comportariam o ônus da prova por parte do acusador – não justificam a inserção do Botofogo como “Réu” à luz de tal episódio profundamente lamentável.
O futebol inglês (Premier Legue) sofreu com o fenômeno dos hooligans, fenomenologia de gangues, grupos organizados de torcedores de futebol, que alguns autores fazem questão de usar as aspas (“torcedores de futebol”) por interpretarem que se tratam de bandidos, e não de verdadeiros torcedores do Calcio. As autoridades inglesas, para além da segurança nos estádios, investiram em ciência e tecnologia.
Primeiramente realizaram um estudo profundo acerca das metodologias utilizadas por esses grupos, isto é, investigaram o modus operandi dos hooligans, para além de fazer uso da previsão jurídica do agente infiltrado – instrumento que existe na legislação brasileira sobre organizações criminosas, na Lei 9.034/95, reformada pela Lei nº 10.217/01, e que o Ministério Público da Paraíba poderia muito bem fazer uso – implementaram a coleta de informações como, p. ex., nomes, idade, residência, etc., de tais torcedores intitulados hooligans. Também fez parte da primeira iniciativa, conjuntamente com a utilização dos agentes infiltrados, o deslocamente de policiais uniformizados que conduziam cachorros treinados para tal missão, acampanhando os torcedores desde os terminais de ônibus, estações de trem e metrô até os estádios de futebol.
Numa segunda etapa da operação foram instaladas câmeras de vídeo nos estádios de futebol, os ingressos passaram a ser numerados correspondentes às respectivas cadeiras, bem como a compra dos ingressos por parte dos torcedores passou a ser condicionada à apresentação de uma documento de identificação. Com a sequência das partidas da Premier Legue, e o sugirmento dos eventos de violência nos estádios, os hooligans começaram a ser identificados (fichados) e submetidos à severas penalidades, como, p. ex., ficarem impedidos de ir ao estádio nos dias dos jogos do seu clube por toda uma temporada, ou mesmo por sucessivos campeonatos. É verdade que a Inglaterra ainda enfrenta problemas de violência nos estádios tendo como protagonizadores os hooligans, a exemplo do ocorrido em 25.08.2009 em partida válida pela Copa da Liga entre West Ham x Millvall, porém a incidência dos eventos de violência nos estádios de futebol caiu drasticamente, e a reincidência foi extinta.
No Brasil, odiernamente, a questão é tratada por via metodológica ineficiente, com o emprego de instrumentos ineficazes. Quando, por pior de tudo, não identificamos medidas que visam única e exclusivamente projetos individuais (ascensão meteórica) objetivando o impulsionar de uma carreira política. A utilização de políticas, como, p. ex., proibição dos torcedores visitantes, diminuição da carga de ingressos, perda do mando de campo, etc., revela uma incompetência extraordinária e um descompromisso total com o interesse juridicamente tutelado de uma coletividade que não contribui para com os eventos de violência nos estádios de futebol. Tais medidas fazem com que uma minoria criminógena sobreponha o direito adquirido de uma maioria de torcedores cidadãos que acompanha seus clubes há décadas.
A partir da última década do século passado, o futebol paulista passou a enfrentar o problema da violência nos estádios de futebol protagonizados pelas denominadas torcidas organizadas. O então promotor de justiça do Estado de São Paulo, hoje deputado estadual pelo PSDB daquele Estado, FERNANDO CAPEZ, fez uso de todas as previsões penalísticas acima enumeradas, bem como chegou a requerer a extinção das torcidas organizadas. No passado dia 21.02.2010, ocorreu o clássico entre Palmeiras x São Paulo, pelo campeonato paulista, logo antes do início da partida, no entorno ao estádio, a polícia militar teve que intervir em confronto protagonizado por integrantes das torcidas organizadas Mancha Verde e Independente, bem como após a partida, ocorrida no estádio Palestra Itália, já durante à noite, em uma rodóvia do Estado de São Paulo, foi resgistrado o confronto entre as torcidas palmeirese e saopaulina. Mais ainda, a investigação policial alcançou a informação de que o confronto já havia sido planejado muito antes, por via da internet.
Pensamos convictamente que não se faz preciso reiterar a exigência e necessidade de se reformar a metodologia e o instrumental das medidas de penalidade, a complexidade dos eventos de violência nos estádios de futebol não pode ser interpretada (responsabilidade) exclusivamente na pessoa jurídica do clube ou sociedade esportiva. Para além dos instrumentos jurídicos referidos, o Ministério Público e aqueles amantes do futebol, têm como ferramenta as previsões trazidas pelo Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671/03). A experiência inglesa tem muito a contribuir (ensinamentos) para com a realidade da violência nos estádios brasileiros, portanto, os Clubes de Futebol, as Federações, as Torcidas e o Ministério Público, não podem e nem devem ignorar as lições daqueles que inventaram o esporte mais popular do planeta
Conclusivamente, as lições sociológicas de NIKLAS LUHMANN se fazem presente, isto é, para o pensador alemão (deutsche), a racionalidade contemporânea é expressada na capacidade em saber interpretar a complexidade dos fenômenos. A fenomenologia da violência nos estádios de futebol e ao entorno dos mesmos, primeiramente deve ser encarada como objeto de estudo científico, para depois submeter o fenômeno à vigilância tecnológica e policial de inteligência. Mais ainda, esta capacidade interpretativa da complexidade, lecionada por NIKLAS LUHMANN, assim interpretamos, deve ser acompanhada da aplicação concreta de medidas de penalidade que diminua o espaço das minorias (pseudos torcedores) criminógenas e maximize o espaço do torcedor do futebol, aquele que chamamos de torcedor cidadão, torcedor constitucional. A cultura da impunidade – como se vê multiplicada em terras tupiniquim no mundo da política – deve ser afastada urgentemente do mundo do futebol, os sujeitos titulares do mundo do Esporte e da Justiça devem trabalhar conjuntamente na elaboração de estratégias que penalizem racionalmente as minorias que praticam atos de vandalismo e violência nos estádios de futebol.
É Professor Associado do Centro di Studi sul Rischio della Facoltà di Giurisprudenza dellʾUniversità degli Studi del Salento, Lecce, Italia. Pesquisador do CNPq no CCJ/UFPB
CRONOLOGIA DE UMA FALÁCIA
Com a colaboração do jornalista Phelipe Caldas, do Portal G1, este blog publica abaixo um breve histórico da questão da violência nos estádios da Paraíba, e a atuação não muito abonável do Ministério Público no caso:
17/11/2008 – O blog Carrinho por Trás publica a primeira de uma série de matérias denunciando a “guerra entre torcidas organizadas” do Botafogo. Alerta pela primeira vez a rixa existente entre elas.
18/01/2009 – Torcedores organizados do Botafogo são detidos em Patos após provocarem e brigarem contra torcedores do Nacional de Patos, poucas horas antes do jogo entre as duas equipes válido pela rodada de estreia do Campeonato Paraibano de Futebol.
21/01/2009 – O blog Carrinho por Trás mostra evidências de que as torcidas organizadas do Botafogo marcam brigas pela internet e usam sites de relacionamento como o Orkut para a publicação de fotos e vídeos das confusões nos estádios.
23/01/2009 – O promotor do Cidadão Valberto Lira, do Ministério Público da Paraíba, promete levar o caso das brigas entre torcidas do Botafogo a um juizado criminal e prender sumariamente os brigões.
Durante os meses de fevereiro, março e abril de 2009 as brigas no Estádio Almeidão continuam e são amplamente denunciadas pela imprensa, sem que o Ministério Público da Paraíba tome nenhuma medida efetiva para combater o problema.
12/08/2009 – Depois de mais de seis meses se omitindo do debate, a diretoria do Botafogo finalmente promete reagir contra a ação criminosa das torcidas organizadas e diz que vai entrar na justiça contra a Torcida Jovem do Botafogo com o objetivo de rever parte do terreno que foi cedida para a sua sede.
28/08/2009 – Às vésperas do início da Copinha Paraíba de Futebol, o Ministério Público da Paraíba faz novas promessas contra as torcidas organizadas e diz que vai colocar delegacias móveis nos estádios para autuar em flagrante os torcedores-brigões.
08/09/2009 – O promotor Valberto Lira reúne os diretores do Botafogo e do Auto Esporte, das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros e promete uma ação mais efetiva contra as torcidas organizadas que atuam em João Pessoa. Na ocasião ele reafirma às autoridades o que já tinha anunciado no dia 28.
11/09/2009 – Valberto Lira se reúne com os presidentes das torcidas organizadas do Botafogo e dá um prazo de 90 dias para que eles apresentem o cadastro das respectivas torcidas (com nome, endereço e telefone de seus respectivos integrantes) e o estatuto registrado em cartório.
Nenhuma destas promessas foram cumpridas e nenhuma das exigências repassadas às torcidas foram colocadas em prática durante a Copinha Paraiba.
13/09/2009 – Na estreia do Botafogo na Copinha Paraíba, novas brigas entre torcidas organizadas do clube, sem que nenhuma atitude mais enérgica tenha sido tomada contra os brigões.
16/09/2009 – O promotor Valberto Lira vem a público para dizer que iria entrar com uma ação para extinguir as torcidas organizadas do Botafogo.
Nenhuma foi extinta e as brigas continuaram dentro e fora dos estádios.
20/11/2009 – O então presidente da Anjinhos do Belo, Rodrigo Pereira, vem ao Paraíba1 para dizer que as brigas entre torcidas chegaram a um nível inimaginável e que agora ele tem medo de morrer.
22/11/2009 – Um torcedor da Fúria Independente, identificado pela polícia como “um estudante de direito de classe média”, executa um rival da torcida Anjinhos do Belo.
28/02/2010 – Vem o troco. Um integrante da torcida Anjinhos do Belo executa um adolescente de 17 anos integrante da Fúria Independente. O assassinato acontece após uma briga no bairro de José Américo
01º/03/2010 – O serviço de inteligência da Polícia Civil apresenta um dossiê que, segundo os policiais, comprovaria que as torcidas organizadas do Botafogo servem de disfarce para o tráfico de drogas.
03/03/2010 – O promotor Valberto Lira convoca novamente todos os presidentes de torcidas organizadas e volta a cobrar o cadastro dos torcedores e o registro em cartório dos seus estatutos.
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