Futebol e ciência
POR Edônio Alves
O Brasil pode estar prestes a conquistar mais dois trunfos culturais na
sua história de nação independente e com prestígio cada vez mais em alta no
cenário mundial. Um deles diz respeito ao patamar simbólico com que as culturas
se comparam umas às outras no que elas produzem de melhor e com o que elas
forma as suas imagens de si mesmo. O outro, mais concreto e com repercussões
mais objetivas na vida dos cidadãos, diz respeito ao modo como as nações,
diferentemente uma das outras, se empenham em resolver os problemas dos seus
membros e, por conseguinte, da própria humanidade, no geral.
Refiro-me aqui ao nosso futebol e a possibilidade objetiva - embora não
tão consensual assim - de o Brasil, que sedia a próxima Copa do Mundo de 2014,
conquistar mais um título para a sua galeria, no primeiro caso; e a façanha
científica, que também vai ser apresentada na abertura do Mundial de futebol no
Brasil, de o país mostrar ao mundo a maior reviravolta conseguida no universo
da neurociência, no segundo caso. Trata-se, neste episódio científico em que o
futebol vai servir como pano de fundo, do projeto comandado pelo neurocientista
brasileiro, Miguel Nicolelis, através do qual um adolescente paraplégico vai
poder levantar-se de uma cadeira de rodas, ir até o centro do gramado da
abertura da Copa e dar o pontapé inicial da competição.
Na ocasião, o jovem vai estar portando uma vestimenta denominada de
exoesqueleto, o qual reproduzirá as ondas elétricas do seu cérebro,
reproduzindo os comandos pensados por ele, que o fará andar e seguir o
protocolo determinado pela equipe de cientistas comandada por Nicolelis. Tudo
consiste na ideia, tornada prática objetiva pelas pesquisas da neurociência
moderna, de que é possível o cérebro comandar máquinas através das ondas
elétricas que são geradas pelo próprio ato de pensar dos humanos. Nesse caso, o
tal exoesqueleto será a máquina a ser comandada pelo pensamento e vontade do
jovem, escolhido para a tal demonstração científica.
Explicado o milagre, falemos agora do nome do santo.
Miguel Nicolelis é um cientista brasileiro formado na Universidade de
São Paulo-USP, na década de 1980. Hoje, ele chefia o laboratório de
neurociências da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e o Instituto de
Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte, o IINN-ELS. Nessas duas
instituições, ele coordena as pesquisas que mapeiam a comunicação
cérebro-máquina. Tal linha de pesquisa já aponta para inúmeros benefícios
humanos que poderão advir dessa relação. Uma delas, entre várias, é a
possibilidade de o ser humano amputado ou impossibilitado de mover-se, poder
usar próteses ou cadeiras de rodas (máquinas, no geral) comandadas apenas pelo
cérebro, sem a necessidade da ajuda de um terceiro ou do gasto da energia
corporal do paciente.
E por que eu trouxe o Nicolelis
aqui para esta coluna de futebol dos domingos?
Trouxe-o porque além dele ser um dos mais renomados e importantes
cientistas do mundo contemporâneo (com possibilidades futuras de até vencer o
prêmio Nobel), também é um grande amante do futebol. Torcedor do Palmeiras,
Nicolelis não perde a oportunidade de usar as experiências e as metáforas do
futebol para explicar as suas descobertas e convicções científicas.
Certa ocasião, durante a abertura de uma palestra no Instituto Max
Planck, na Alemanha, três dias depois da vitória do Brasil na Copa de 2002,
realizada na Coréia e no Japão, Nicolelis abriu a aula, num auditório lotado de
neurocientistas alemães sisudos, com uma imagem mostrando o esforço em vão do
goleiro alemão Oliver Kahn, tentando se esticar todo para impedir mais um gol
do fulminante ataque brasileiro. O título do slide era: "I Kahn't get
it". Um trocadilho em inglês para "Eu não vou conseguir".
O cientista defende a tese de que nosso cérebro de primata assimila
todas as ferramentas que cada um de nós utilizamos - carros, telefones, roupas,
raquetes, bolas etc - como uma verdadeira extensão do nosso corpo biológico.
Concluamos, por isso agora, em arremate, com as palavras do próprio
cientista Miguel Nicolelis em que ele junta futebol e ciência para explicar um
pouco do fenômeno Pelé, na sua opinião o maior jogador de todos os tempos,
único e insubstituível em tudo. "Se um dia alguém tivesse o privilégio de
mapear o cérebro desse vulcão de duas pernas chamado Pelé, esse alguém
encontraria, na região lobo parietal, não apenas a representação de um pé, mas,
sim, a imagem de uma verdadeira fusão desse com aquela que foi sua mais fiel e
amada companheira: a bola!".
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