O futebol como um fenômeno da cultura brasileira

As coisas só acontecem por acaso, necessidade ou vontade nossa! Epicuro - filósofo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Zé Lins, futebol, imprensa e mesmice


Caro leitor, há duas semanas ocupei este nosso espaço dos domingos para conversar com vocês a respeito da presença do humor no futebol. Eis que no domingo que passou abro o jornal nesta nossa página e, um pouco acima desta coluna, dou com um artigo do jornalista Gustavo Sette sobre um assunto assaz preocupante: o desleixo que toma conta da imprensa esportiva brasileira quando esta exerce a sua função de perguntar, inquirir, entrevistar os ases da bola para que eles expliquem aos torcedores as glórias, as derrotas, os dramas, enfim, as vicissitudes do mundo futebolístico.
Constatava o colega jornalista, entre decepcionado e irônico, que desde que existem microfones, as perguntas, dos jornalistas, e as respostas, dos jogadores, são sempre as mesmas. Ou seja, em nome de uma propalada necessidade – dizem os editores – “de fazer um jornalismo popular” – caso contrário não vende -, os jornalistas nivelam o discurso do jornalismo esportivo por baixo. E a estratégia resume-se na mais cândida e burra fórmula: fazer sempre as mesmas perguntas para obter sempre as mesmas respostas.
Estratégia essa, diga-se de passagem, já flagrada por um desportista não tão burro assim: o piloto brasileiro bicampeão mundial de fórmula um, Nelson Piquet, apontado, no artigo, como um dos raros homens de esporte a tentar fugir dessa mesmice da imprensa esportiva, través de suas respostas sinceras, inteligentes, curtas e rasteiras: “ – As respostas são sempre as mesmas porque as perguntas também o são”, resumiu assim o problema o nosso Nelson Piquet.
Discussões teóricas à parte, trouxe novamente à baila a questão porque ao ler o já citado artigo me veio imediatamente à memória a lembrança do escritor paraibano, José Lins do Rego. O genial escritor Zé Lins, o também cronista esportivo José Lins do Rego que, ao contrário da maioria dos seus pares intelectuais que não gostam, desconfiam, ou não dão bola para o futebol, fez-se íntimo deste esporte que é a paixão do seu povo.
Vou inserir, portanto, Zé Lins aqui, nesta nossa conversa para, através de um dos seus personagens mais idealistas e fortes, o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo do romance Fogo Morto, advogar que esta nossa propensão para o fácil, para o de sempre, em suma, para o mesmo, tem suas raízes mais fundas incrustadas no que poderia se chamar de “síndrome de má-formação cultural atrasada”.
Numa célebre passagem do romance Fogo Morto, o capitão Vitorino tenta explicar ao seu compadre, Mestre Zé Amaro, porque é um homem de opinião, de posições firmes, que se orienta de moto próprio, e assim se expressa:
“– Sou homem de opinião, meu compadre. Lá no Santa Rosa, o Juca me falou: “Primo Vitorino, por que você forma na oposição?”. “Por que? Ora, seu Juca, o senhor alisou os bancos da academia e tem pergunta de Manoel Ferreira. Vou às urnas com o coronel para acabar com os governos podres”.
Explicando que o Manoel Ferreira da sua explicação é, no romance, um advogadinho vendido e burro, que não acrescenta nada à profissão, portanto só faz perguntas idiotas, quero pugnar aqui que essa mesmice que grassa na nossa atividade profissional, com colegas jornalistas que freqüentaram os bancos da academia mas que só fazem perguntas de “Manoel Ferreira” tem a sua origem de muito longe.
É que a elite brasileira da qual faz parte o primo Juca da resposta do capitão Vitorino foi formada, também no campo das atividades profissionais, com uma mentalidade colonial, subserviente, que tinha e tem no modelo europeu – seu preceptor cultural – um exemplo de superioridade a ser seguido cegamente. Com isso, não conseguindo superar o modelo assumido como “superior” ao qual copia sem questionar e não podendo andar sozinha - porque carrega o peso das trilhas já abertas pelos outros – prefere passar aos seus pupilos (no caso, os nossos jornalistas saídos das universidades) as lições do mais fácil, do parco feijão-com-arroz das coberturas esportivas.
E a culpa não é dos nossos jogadores (quase todos vindos das camadas mais baixas do estrato social e que não tiveram oportunidade de se educar convenientemente), que não sabem responder. A culpa é da nossa elite cultural que não sabe questionar, portanto, ensinar, nem a si mesmo. O resultado de tudo isso é um quadro de visão, de leitura da realidade - a sua própria realidade profissional, para não irmos muito longe – que seria cômico se não fosse trágico. Confira, a propósito, algumas respostas risíveis dadas a perguntas mais risíveis ainda, presume-se, da nossa imprensa esportiva e dos nossos jogadores de futebol:

"Quando o jogo esta a mil, minha naftalina sobe."(Jardel, jogador de futebol, ex-atacante do Vasco, Gremio e da Selecao Brasileira).

"Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu..."
(Claudiomiro, ex-meia do Internacional-RS, ao chegar em Belém
do Pará para disputar uma partida contra o Payssandu pelo Brasileirão de 72)."Nem que eu tivesse dois pulmões eu alcançava essa bola."
(Bradock, amigo de Romario, reclamando de um passe longo). "A partir de agora meu coração tem uma cor só: rubro-negro"
(Fabão, zagueiro baiano, ao chegar para jogar no Flamengo).

"No México é que é bom. Lá a gente recebe semanalmente de quinze em quinze dias."
(Ferreira, jogador paraibano, ex-ponta-esquerda do Santos de São Paulo)."Clássico é clássico e vice-versa..."
(Jardel, ex-atacante do Vasco, Gremio e da Selecao Brasileira).
"O meu clube estava a beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente."
(João Pinto, jogador de futebol do Benfica de Portugal).
"A moto eu vou vender e o rádio eu vou dar pra minha tia."
(Josimar, ex-lateral direito do Botafogo, ao responder a um repórter o que iria fazer com oMotorádio que ganhou como melhor jogador da partida).
"Jogador tem que ser completo como o PATO, que é um bicho aquático e gramático."
(Vicente Matheus, eterno presidente do Corinthians).
"O difícil como vocês sabem, não é facil."
(Outra de Vicente Matheus)

"Eu disconcordo com o que você disse."
(Vladimir, ex-meia do Corinthians, em uma entrevista a Rádio Record).
Foto de Ed Viggiani

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