
Giusiane Gomes Coutinho - Auxiliar Técnica
Jéssica Inácio - Fisioterapeuta
Walter Ataíde - Coordenador de Futebol Feminino
Eliane Leal - Psicóloga
Rejane Gomes - Preparadora Física
Josemir - Contato Publicitário.
Os escritores brasileiros, em sua maioria, têm evitado o futebol. Talvez seja porque o esporte, à semelhança da guerra e do amor, seja tão grandioso que é simplesmente impossível aumentá-lo.
Deonísio da Silva
Aproveito as sugestões inspiradoras das observações acima para iniciar aqui, neste blog, uma conversa que espero sistemática e frutífera sobre a relação do futebol com a literatura no Brasil.
Já se disse outrora (e o autor não foi ninguém menos que Nelson Rodrigues) que o escritor brasileiro, em matéria de futebol como investida temática, não sabe sequer cobrar um escanteio. Tal assertiva, compulsada com essa outra aí de cima, do também escritor Deonísio da Silva, é por si só um convite à reflexão. E a mim, pelo menos, esse convite é impossível de recusar. Não só porque essas palavras possuem um conteúdo inquietante, mas também - e, talvez principalmente -, porque proferidas por autores que não só sabem cobrar escanteios, quando estão dentro da área (para criar uma situação impossível dentro do campo propriamente dito), como conhecem profundamente o jogo da bola quando mediado pela palavra literária.
A pergunta que surge, então, é a seguinte: por que esses e outros não poucos escritores brasileiros insistem em constatar uma tão insuficiente convivência profícua entre a nossa grande arte popular – o futebol – e a nossa outra grande arte mais erudita – a literatura?
Tentemos elencar aqui umas possíveis conjecturas sobre esse tema tão mal resolvido no âmbito das preocupações das nossas letras.
A princípio, diria que a relação do futebol com a literatura é um pouco diferente da sua ligação com as outras artes, por exemplo. Com a música (o samba, em destaque, pela sua centralidade na nossa cultura musical), é mais etnológica, antropológica, digamos assim; e também temática, claro. Com a pintura, correndo os riscos de pisar na bola ou borrar a tela, diria que é figurativa, mimética, uma ligação de um campo que inspira outro, apenas. Com o teatro já é mais complexa, posto que o próprio jogo de futebol é, em grande medida, teatro puro; um peça de representação que a vida real nos encena a cada 90 minutos, e em vários gêneros simultâneos: da epopéia heróica, passando pela farsa picaresca e pela comédia bufônica até chegar a mais lídima tragédia grega, quando não, no mais legítimo drama shakespeareano. (O próprio Nelson Rodrigues também fez questão de frisar que a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeareana).
Com o cinema já é mais problemática. Chega a ser mesmo um caso de impermeabilidade, irredutibilidade ou irresolução de um campo para com o outro. Já ouvi vários cineastas dizerem que é impossível filmar futebol sem que seja arranhada a autenticidade do jogo. A sua autonomia enquanto universo de linguagem própria. Com a dança, posto que ali, tal como no jogo, o corpo é o objeto significante principal, a relação é mais amigável, colaborativa e inspiradora. Mas.., e com a literatura, como se dá a interação, a troca de sinais e de sentidos; a gama de elementos comuns a esses dois dos mais complexos e desafiadores campos de expressão das coisas humanas?
Diria, também, a princípio, que aqui a relação se dá em dois níveis principais. Um estrutural – a literatura apanharia o futebol enquanto matéria significante, tema desse nosso primeiro artigo aqui no blog -, e outro motivacional: o futebol entraria na literatura como uma extraordinária fonte de preocupações temáticas, com toda a sua gama (ou amálgama) de personagens, tipos humanos, situações, aporias existenciais constitutivas, vicissitudes potenciais que encena, desafios socioculturais que coloca a nossa frente; enfim, o futebol se apresentaria à literatura como uma espécie de espaço de representação em que a sua dimensão ficcional se realiza na prática vivencial enquanto jogo. E que jogo, convenhamos, amigos!
Tomando aqui o primeiro aspecto da questão, conforme prometido, temos que o futebol é em si mesmo um campo de linguagem própria. Assim como a literatura, uma linguagem autônoma e auto-significante. Aquele algo tão grandioso que talvez seja impossível de aumentar, nas palavras de Deonísio da Silva. E acrescente-se a esse fato cultural a peculiaridade de ser o futebol, na sua multiplicidade fenomênica, uma linguagem singular, posto que não verbal e, como a própria ontologia do signo em termos semiológicos, baseada numa unidade de sentido relacional e objetivamente móvel, cambiante, reversível, que é a relação do corpo humano com uma bola, “esse objeto distinto de todos os outros – sem quinas, pontas, dorso ou face, igual a si mesmo em todas as direções de superfícies -, que rola e quica como se animado por uma força interna, projetável e abraçável como nenhum”, no canoro dizer do crítico literário José Miguel Wisnik.
Decorre daí que o abraço que a literatura dá na bola (esta aqui entendida como metonímia extensiva do próprio jogo de futebol) é um amplexo de vínculos fortes, sólidos, baseado em afinidades constitutivas comuns, pois que a palavra - quando literária - também se sustenta numa relação fluida, sempre em curso, nunca parada, sempre transitiva, do seu corpo físico (o significante lingüístico) para com a coisa que representa (designa): o seu referente a que empresta sentido; o objeto representado.
Tentando fechar essa equação de sentidos, temos o seguinte: a literatura é uma supra-linguagem nutrida de todas as outras, mas, ao mesmo tempo, só redutível a si mesma e apta a captar o mundo na sua realidade mutável e cambiante, na sua operação alucinante de ser e de não ser, simultaneamente; no seu aspecto de realidade palpável e de irrealidade alucinatória onde, às vezes, o que parece ser, não é; e o que é não parece ser.
O futebol, por outro lado, quando compreendido como um fenômeno que vai além daquele jogo realizado em quatro linhas de um espaço retangular, enxergado como um acontecimento sociocultural de amplo alcance (veja-se o fato de ser aceito por quase todas as culturas do mundo), é também uma supra-linguagem só redutível a si mesma, apta a recolher e espraiar os múltiplos sentidos culturais que se impregnam na sua operação simbólica básica, que é a de – através de um rito primordial, o homem enfrentar o outro (e, por decorrência especular, a si mesmo) através de uma guerra em que o fundamental não é a morte, a aniquilação do outro, mas a sobrevivência de todos, numa perspectiva festiva e prazerosa. Algo que só a arte pode dar ao realizar, na prática, a utopia existencial fundamental do ser humano: a sobrevivência pacífica e livre entre os diferentes seres e povos, que são, em última instância, seus semelhantes. Tudo isso mediado pelo tempo e pelo poder de criar. E criar, fundamentalmente, sentido para o mundo.
Encerrando esse nosso primeiro papo, elenco agora as afinidades constitutivas que ligam, irremediavelmente, a literatura com o futebol, nesse âmbito estrutural de que falei um pouco acima. E lembro, ao ensejo, que o liame comum a ambos é o fato de serem acima de tudo meios de expressão estética. Ou seja: linguagem e arte puras, em todos os sentidos.
O futebol tem em comum com a literatura, nessa perspectiva estrutural e ontológica, o seguinte:
E, como espero ter ficado claro, os dois se complementam e se colaboram.
Sendo assim, os dois campos mantém uma relação de interação mútua tanto como formas de expressão estética combinatórias e complementares (o jogo dá texto e o texto dá jogo) quanto como fonte de inspiração intrínseca geminada (pode haver jogadas de letra e letra de jogadas) como no exemplo poético a seguir de autoria do poeta paraibano, Eulajose Dias de Araújo:
PALAVRASBOLAS
As palavras não
são bolas de futebol,
mas eu jogo com
as palavras como
se bolas elas fossem...
Futebolescas as palavras
se tornam bolas
para todos os acertos
de concordância ou sintaxe,
gramática jogando
com matemática quase.
Gol de pensamento são
as palavras no tempo,
ou no tempo de tempo,
ou no tempo de tempo,
são as palavras:
palavrasbolas paraboladas
jogando palavreadas.
No próximo post, vou tratar da relação da literatura com o futebol em termos de mais outros aproveitamentos (agora, temáticos) do jogo de bola pela expressão literária dos escritores brasileiros contemporâneos.
Aguardem o próximo POST, pois não!
Para maior aprofundamento no tema, ler:
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